terça-feira, fevereiro 02, 2021

Terça, 2.

Ouvi com imenso agradado a entrevista de Rui Veloso na RTP1. Que geração! Que gente extremamente interessante e talentosa foi a nossa! Estamos em todas com garra, personalidade, carácter, talento e desinteresse. Rui não se coibiu de afirmar que estamos atulhados de música e os festivais não passam de momentos para selfis, como quem diz a música e os músicos pouco interessam. Ele não participa nesses espectáculos onde as pessoas vão para serem vistas e a arte não é para ali chamada. Embora a entrevistadora esteja melhor naquele registo que no Prós e Prós, ainda não perdeu a mania de cortar o raciocínio como aconteceu em momentos, por exemplo, quando o artista ia a falar do silêncio e da sua capacidade em viver só. Grande Rui Veloso, és o maior de todos os pontos de vista: artístico, pessoal, carácter, humano. E a dona Campos Ferreira, espero que aprenda que o silêncio dos entrevistados é tão importante ou mais que a velocidade com que muitos nos bombardeiam com merdelhices. 

         - Fui levar o carro à oficina. Como atravessamos o período sinistro que todos conhecemos, pedi uma cadeira e sentei-me na rua no grande largo da garagem, por uma hora e meia enquanto os mecânicos mudavam o óleo e toda a parafernália concludente. O curioso é que à minha volta não deixaram de circular carros e eu via-os passar pelos cantos dos olhos e ouvia a surpresa dos condutores por me verem ali absorto na leitura. Bendito tempo! Não gosto de gastar as horas na ociosidade banal de quem não tem consciência que tanto há para aprender. Os cafés em volta estavam fechados, dentro da oficina era proibido estar, o que ficava de fora de tanta interdição, era ainda os espaços públicos varridos pelo frio da manhã e o vento húmido do dia pardacento que hoje inundou uma vez mais o campo e eu puxei uma ponta para me cobrir. 

         - A nossa classe política é do mais rasca que se pode imaginar! 

         - Algum trabalho no O Matricida. Enquanto isso, os jornais falam em falência de editoras e fecho de livrarias. Parece um paradoxo, mas a realidade é que sempre tive a noção que o importante é escrever, editar mera consequência. Portanto, prossigamos como se nada obstasse.