segunda-feira, fevereiro 22, 2021

Segunda, 22.

Já que toda a gente fala do senhor Caupers, também eu vou botar discurso. No ano em que ao Código Civil foi feita a alteração (2010), de forma a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o actual Presidente do Tribunal Constitucional, escreveu uns quantos artigos que hoje considera “tolos”. Acontece. E só não acontece a quem não tem ideias ou tendo-as é covarde. Dizia o distinto articulista: “Enquanto membro da maioria heterossexual, não estou disposto, nem disponível, para ser tolerado por eles.” Acontece que o arrogante senhor, nem se deu ao trabalho de indagar se os homossexuais estariam dispostos a reconhecer-lhe o estatuto de superioridade de que a frase está impregnada. É verdade que também nem se deram a esse trabalho, porque têm no Bloco de Esquerda a sua guarda pretoriana de defesa. Como o dito senhor está muito bem informado quanto ao número de homens que gostam de homens, afirmou que eles são menos que os vegetarianos, como quem diz, reduzam-se à vossa insignificância. Ora, “aqui chegados” eu aconselharia o senhor conselheiro e ler o que disse a doutora Laura Aires sobre o assunto quando a sida apareceu e ela se entregou humana e generosamente aos seus doentes. Terá um susto ao verificar que está rodeado de homens que são felizes nos braços de outros homens e, do meu ponto de vista, só pecam por quererem fazer a vida monótona e ronceira, hipócrita e destruidora, dos casados. Mas o nosso homem vai mais longe e torna-se moralista fundamentalista quando apregoa: “A gestação de substituição, em si mesma, enquanto conceito e enquanto técnica de procriação medicamente assistida, tenho-a por violadora da dignidade da pessoa humana.” É um ser retrógrado e, só por isso, não devia estar à frente do Tribunal Constitucional. Há mais esta (como se vê o ilustre papa do Direito tem ideias): “Diga o Direito o que disser, a concepção de uma criança sem pai é tão absurda como a de uma criança sem mãe.” Há milhares de seres humanos que nunca conheceram os pais, ou só um deles esteve no seu desenvolvimento, e nem por isso deixaram de ser pessoas válidas e reconhecidas pela sociedade onde viveram. Estou a lembrar-me dos filhos de pais incógnitos, ou daqueles que foram entregues a instituições públicas e fizeram-se cidadãos ilustres. Podia citar alguns, mas lembro o chanceler Willy Brandt. Todavia, estas afirmações são repudiantes por outro ângulo – fazem pender o ser humano apenas da carcaça familiar. Qualquer que ela seja. Daí tantos indivíduos que a pobreza, as má-formações, os divórcios dos seus progenitores, as vicissitudes da vida deixaram perdidos nesse oceano perigoso que é a vida. E quantos milhões, correspondendo à teoria do senhor Presidente, derraparam, fizeram-se criminosos, assassinos, alguns chegaram a governar o mundo, e foram tão atrozes que nos apetece dizer que o seu terror foi construindo-se no seio de uma família organizada e controlada pela sociedade bem pensante, a Igreja Católica Apostólica Romana. Os nossos pais, senhor João Pedro Caupers, são quem nos ama, os nossos amigos verdadeiros, às vezes as sombras protectoras, Deus que nunca renuncia a ocupar os espaços que a solidão pretende inundar com ou sem família. E por sobre tudo isto, é mais redentor abraçar a liberdade, que ficar cativo de um casulo oco, criado pela sociedade que sabe como controlar os seus cidadãos e cedo percebeu que quem constitui família perde definitivamente a liberdade. Uma família cheia de certezas, é um deboche antropomórfico. A PIDE sabia disso. O KGB também. As polícias copiam-se umas às outras para dominar o indivíduo e fazê-lo escravo das suas loucuras e ambições. Proponho ao insensível senhor Caupers, leia Epicuro, Nistzsche ou Cioran. “Tout ce qu´ils touchent prend couleur d´être.”