segunda-feira, julho 02, 2018

Segunda, 2.
Às vezes dá-me para remexer aqui e acolá, gavetas e estantes, armários e pilhas de papel que estão por todo o lado. Esta tarde, na biblioteca de cima, procurando uma citação, esbarrei na obra de Hector Bianciotti que me recordo ter lido, perdão, devorado com ardor. Todavia, tendo debaixo dos olhos o título Le Pas si Lent de l´amour questionei-me se o havia lido ou não. Folheando-o, observei que ele foi assaz sublinhado e anotado – prova que os meus olhos e a minha mente tinham-se cruzado com o autor. Ainda há quem ache que um livro enriquecido com marca do leitor, é um livro sem valor! Só os vendedores de papel ao quilo podem pensar deste modo!

         - De igual modo, outro dia arrumando uma gaveta, deparei com uma quantidade de coisas do meu tempo de Coimbra: fotos, uma pasta com as fitas amarelas da Faculdade de Medicina e respectivos poemas autografados pelos meus camaradas, o símbolo da cidade que era usual pregar na capa, um pequeno livro de poemas fotocopiado como então se fazia a stencil com dedicatória, recortes de jornal onde eu sou citado e fotografado... De igual modo, encontro duas séries de postais ainda em muito bom estado, que contam a história de Mao Tsetoung, que julgo comprei na Maspero, no Bairro Latino, quando jovem ali estive, e ofereci ao João Corregedor que se regalou com a oferta. Dei, igualmente, com dois pequenos livros de capas vermelhas como convém, do ditador chinês (que não obsequiei o João): La Grande Revolution Culturelle Proletarienne e Citations du President Mao Tse-Toung, rotulados por “documents importants”, editados em Pequim, em 1970. 

         - Sou por temperamento alguém que sofre por antecipação. Uma parvoeira, eu sei. As provas vivo-as eu a cada passo. Nestes últimos dias andei preocupadíssimo com a ameaça que o nosso Governo me fez na forma de uma carta registada. Sempre que recebo qualquer correspondência de organismos do Estado ou autárquicos, arrefeço. Penso: “lá vem uma sacanice na forma de uma coima ou centenas de euros para pagar”. Porque este esquema de privar com o cidadão, que hoje se pensa ser democrático, aprendeu e tem a sua génese na conduta fascista que tanto pavor causava ao cidadão de então. Ante o caso, quase sempre sem importância ou pelo menos sem a importância que me deu para sofrer, peço a Deus protecção. No fundo rogo ao Criador que desmanche o que fez. Porque todos nós somos o que Deus fez de nós e muitas vezes o que somos não temos capacidade para carregar. Daí pedir-Lhe que altere a raiz ou natureza do que sou, esta fragilidade patológica que tanto me inquieta.


         - A verdade é esta: este executivo como todos os anteriores, no que pensa é em arruinar o cidadão. Este como os precedentes nunca se interessou em formar, educar, informar e prevenir. Daí muitas leis serem feitas no segredo dos gabinetes e Assembleia da República, e quase sempre n´importe comment. Mesmo aquelas leis que são publicitadas, trazem à nascença logo agarradas multas, condenações, expropriações, penhoras. Na base está a fascizante desconfiança no cidadão. Salazar continua a andar por aí.