Segunda,
2.
Às
vezes dá-me para remexer aqui e acolá, gavetas e estantes, armários e pilhas de
papel que estão por todo o lado. Esta tarde, na biblioteca de cima, procurando
uma citação, esbarrei na obra de Hector Bianciotti que me recordo ter lido,
perdão, devorado com ardor. Todavia, tendo debaixo dos olhos o título Le Pas si Lent de l´amour questionei-me se
o havia lido ou não. Folheando-o, observei que ele foi assaz sublinhado e
anotado – prova que os meus olhos e a
minha mente tinham-se cruzado com o autor. Ainda há quem ache que um livro enriquecido
com marca do leitor, é um livro sem valor! Só os vendedores de papel ao quilo
podem pensar deste modo!
- De igual modo, outro dia arrumando
uma gaveta, deparei com uma quantidade de coisas do meu tempo de Coimbra:
fotos, uma pasta com as fitas amarelas da Faculdade de Medicina e respectivos
poemas autografados pelos meus camaradas, o símbolo da cidade que era usual
pregar na capa, um pequeno livro de poemas fotocopiado como então se fazia a
stencil com dedicatória, recortes de jornal onde eu sou citado e fotografado...
De igual modo, encontro duas séries de postais ainda em muito bom estado, que
contam a história de Mao Tsetoung, que julgo comprei na Maspero, no Bairro
Latino, quando jovem ali estive, e ofereci ao João Corregedor que se regalou
com a oferta. Dei, igualmente, com dois pequenos livros de capas vermelhas como
convém, do ditador chinês (que não obsequiei o João): La Grande Revolution Culturelle Proletarienne e Citations du President Mao Tse-Toung,
rotulados por “documents importants”, editados em Pequim, em 1970.
- Sou por temperamento alguém que
sofre por antecipação. Uma parvoeira, eu sei. As provas vivo-as eu a cada
passo. Nestes últimos dias andei preocupadíssimo com a ameaça que o nosso
Governo me fez na forma de uma carta registada. Sempre que recebo qualquer
correspondência de organismos do Estado ou autárquicos, arrefeço. Penso: “lá
vem uma sacanice na forma de uma coima ou centenas de euros para pagar”. Porque
este esquema de privar com o cidadão, que hoje se pensa ser democrático,
aprendeu e tem a sua génese na conduta fascista que tanto pavor causava ao
cidadão de então. Ante o caso, quase sempre sem importância ou pelo menos sem a
importância que me deu para sofrer, peço a Deus protecção. No fundo rogo ao
Criador que desmanche o que fez. Porque todos nós somos o que Deus fez de nós e
muitas vezes o que somos não temos capacidade para carregar. Daí pedir-Lhe que
altere a raiz ou natureza do que sou, esta fragilidade patológica que tanto me
inquieta.
- A verdade é esta: este executivo
como todos os anteriores, no que pensa é em arruinar o cidadão. Este como os
precedentes nunca se interessou em formar, educar, informar e prevenir. Daí
muitas leis serem feitas no segredo dos gabinetes e Assembleia da República, e
quase sempre n´importe comment. Mesmo
aquelas leis que são publicitadas, trazem à nascença logo agarradas multas,
condenações, expropriações, penhoras. Na base está a fascizante desconfiança no
cidadão. Salazar continua a andar por aí.