Sábado, 28.
Levei
o carro não até ao Estoril, mas somente a Lisboa. Como havia combinado com o
Corregedor irmos de comboio, sofri toda a sorte de metamorfoses que se possa
imaginar. Desde logo em lagartixa procurando um lugar para estacionar que
acabei por encontrar na Av. 5 de Outubro, num espaço para coxinhos coitadinhos
e mesmo assim de perna alçada; depois em toupeira chinesa debaixo da terra
saltando de linha em linha até chegar ao Cais do Sodré, hoje irreconhecível
para mim. Já na feira, verifiquei que o recinto se aburguesou, constituindo-se
em qualquer coisa parecida com o mercado de domingo do Pinhal Novo. Despachado o
que lá nos levou, com a gentileza do Guilherme que nos deixou na estação de
comboios, regressámos a Lisboa. Carruagens cheias, barulho, vozearia de línguas
tocadas a álcool. O espectáculo maior estava reservado para a meia-noite. Na
estação do metro a noite tinha dado uma cambalhota e metamorfoseara-se em dia.
A multidão era tanta que as gares estavam entupidas, gente a correr em todas as
direcções, a subir e a descer escadas, como se estivessem a fugir da polícia.
De onde vinha tanto pagode àquela hora? Mistério. Para ajudar à festa, dos
altifalantes da gare saía uma voz anasalada que nos prevenia de atrasos nas
ligações. Quando, enfim, o metro estaciona, Corregedor sacode quem está por
perto e enfia-se em primeiro lá dento, obtendo lugares sentados para nós. Eles
foram directos à Av. de Roma, eu tive ainda de trocar de linha três vezes. Por
todo o lado, no Chiado, multidões imensas viajavam já perto da uma da
madrugada. Lisboa era uma metrópole disfarçada de qualquer coisa que não conferia
com o seu estatuto provinciano que tão bem lhe fica. Cheguei a casa passava das
duas da madrugada. Antes de entrar, limpei os pulmões de olhos postos na lua
que horas antes nos ofereceu o encanto do eclipse total – e aqui reside todo o
mistério que alimenta a imaginação humana há milénios. Na terra não passamos de
formigas tontas levando uma vida alienada e insignificante.