Quarta, 22.
À amiga que se sentou ao meu lado no
concerto na Gulbenkian, contei a vidinha de uma certa personagem que estava nos
lugares de honra. Há anos que não a via, depois de ela ter deixado os ecrãs e a
pasta governamental para a qual não tinha a mínima preparação, impondo-se como
é hábito a esta gente pelo concluiu de interesses e a bajulice. Muito magra,
envelhecida, observei-a de perto, com uns poucos espectadores de permeio. Era
nítido que, embora se tivesse aproveitado de um conhecido escritor, a sua
cultura não evoluiu o bastante para apreciar a música que no palco acontecia.
Daí a pouco tempo desapareceu para não mais voltar. Ou antes esteve o tempo
suficiente para cumprimentar este e aquele, ser vista, acenar de longe a um ou
outro político, ser filmada pela televisão, enfim, dizer à turba de convencidos
que estava viva e... entre camaradas importantes. Se o ridículo pagasse imposto,
toda a sua imensa fortuna não chegava para o liquidar! Se ao menos esta
gentalha, registasse a postura simples e digna de um Jorge Sampaio, de uma
Maria Belém, de um Artur Santos Silva...
Saí com a minha amiga por escudo. Muita era a gente que me conhecia e
não tinha interesse em falar. Aconteceu, contudo, já perto da rua, tropeçar com
certo tipo, conhecido nos meios homos, hoje uma serapilheira velha, o cabelo
pintado de amarelo baço no lugar daquele que antes tinha de um negro azeviche,
amparado a um outro me too, ambos com
umas calças tão assertoadas que se viam desenhados os contornos das cuecas, a
flacidez das ancas e a curva das costas a pender desamparada para o ombro direito.
Claro que não é a velhice que eu ensaio de descrever, é o ridículo daquelas e
daqueles que não a aceitam e por isso fazem figuras que mais e melhor a
sublinham. Agora uma coisa eu constato: somos na velhice tudo aquilo que
escondemos na juventude.
- A minha vida foi passada na Baixa. Por isso, ainda hoje a adoro e não
dispenso um passeio pedestre sempre que posso. Ao subir a Rua Augusta, o
Chiado, o que vi foi algo de degradante. O magote de ok e ya que por ali
cirandava, apertados de calor, inundando as ruas como se estivessem no seu
quintal nas traseiras de um prédio de vinte andares, um aspecto pedinte,
maltrapilho, descarregados às toneladas nas ruas estreitas, desbarrigados nas
esplanadas, comendo pastéis de nata vigarizados e pastéis de bacalhau com queijo
a 4 euros a unidade, convencidos que comiam uma iguaria portuguesa, os novos
táxis tuk tuk serpenteando por todo o lado, estacionados sem respeito pelos transeuntes,
uma atmosfera de país do terceiro mundo, que dizem os economistas é excelente
pelos milhões de divisas que deixam quando somados os pastéis de nata, os bolos
de bacalhau, o copo de cerveja e a dormida num desses hostls ou be and be, a 50
euros a noite, que não passam dos velhos quartinhos alugados ao mês pela dona
de casa sem recursos, que proliferam pela cidade como cogumelos, dirigidos por oportunistas
com pouca vontade de trabalhar. O turismo de massas é destruidor da identidade
dos povos, já aqui o afirmei. Aquela gente que observei é bruta, deselegante,
inculta, primária. Carregam a imagem vulgar de quem se desloca para ver um jogo
de futebol, passar uns dias a empanturrar-se de sol e álcool e depois regressa
às origens sem ter visto e vivido senão aquilo que encontram no seu dia-a-dia.