quarta-feira, julho 22, 2015

Quarta, 22.
À amiga que se sentou ao meu lado no concerto na Gulbenkian, contei a vidinha de uma certa personagem que estava nos lugares de honra. Há anos que não a via, depois de ela ter deixado os ecrãs e a pasta governamental para a qual não tinha a mínima preparação, impondo-se como é hábito a esta gente pelo concluiu de interesses e a bajulice. Muito magra, envelhecida, observei-a de perto, com uns poucos espectadores de permeio. Era nítido que, embora se tivesse aproveitado de um conhecido escritor, a sua cultura não evoluiu o bastante para apreciar a música que no palco acontecia. Daí a pouco tempo desapareceu para não mais voltar. Ou antes esteve o tempo suficiente para cumprimentar este e aquele, ser vista, acenar de longe a um ou outro político, ser filmada pela televisão, enfim, dizer à turba de convencidos que estava viva e... entre camaradas importantes. Se o ridículo pagasse imposto, toda a sua imensa fortuna não chegava para o liquidar! Se ao menos esta gentalha, registasse a postura simples e digna de um Jorge Sampaio, de uma Maria Belém, de um Artur Santos Silva...
         Saí com a minha amiga por escudo. Muita era a gente que me conhecia e não tinha interesse em falar. Aconteceu, contudo, já perto da rua, tropeçar com certo tipo, conhecido nos meios homos, hoje uma serapilheira velha, o cabelo pintado de amarelo baço no lugar daquele que antes tinha de um negro azeviche, amparado a um outro me too, ambos com umas calças tão assertoadas que se viam desenhados os contornos das cuecas, a flacidez das ancas e a curva das costas a pender desamparada para o ombro direito. Claro que não é a velhice que eu ensaio de descrever, é o ridículo daquelas e daqueles que não a aceitam e por isso fazem figuras que mais e melhor a sublinham. Agora uma coisa eu constato: somos na velhice tudo aquilo que escondemos na juventude.


         - A minha vida foi passada na Baixa. Por isso, ainda hoje a adoro e não dispenso um passeio pedestre sempre que posso. Ao subir a Rua Augusta, o Chiado, o que vi foi algo de degradante. O magote de ok e ya que por ali cirandava, apertados de calor, inundando as ruas como se estivessem no seu quintal nas traseiras de um prédio de vinte andares, um aspecto pedinte, maltrapilho, descarregados às toneladas nas ruas estreitas, desbarrigados nas esplanadas, comendo pastéis de nata vigarizados e pastéis de bacalhau com queijo a 4 euros a unidade, convencidos que comiam uma iguaria portuguesa, os novos táxis tuk tuk serpenteando por todo o lado, estacionados sem respeito pelos transeuntes, uma atmosfera de país do terceiro mundo, que dizem os economistas é excelente pelos milhões de divisas que deixam quando somados os pastéis de nata, os bolos de bacalhau, o copo de cerveja e a dormida num desses hostls ou be and be, a 50 euros a noite, que não passam dos velhos quartinhos alugados ao mês pela dona de casa sem recursos, que proliferam pela cidade como cogumelos, dirigidos por oportunistas com pouca vontade de trabalhar. O turismo de massas é destruidor da identidade dos povos, já aqui o afirmei. Aquela gente que observei é bruta, deselegante, inculta, primária. Carregam a imagem vulgar de quem se desloca para ver um jogo de futebol, passar uns dias a empanturrar-se de sol e álcool e depois regressa às origens sem ter visto e vivido senão aquilo que encontram no seu dia-a-dia.