Domingo, 26.
Tenho tendência a deitar-me para o lado
onde sopra o vento. O vento nesta altura corre espontâneo para o fim do romance
que me absorve todas as minhas faculdades e todos os minutos. Queria tanto
debruçar-me sobre Homero e aquele clima de aventuras que enfuna as quinhentas
páginas traduzidas por Frederico Lourenço. Gostava dizer dos motivos que levaram
o mirmidão Aquiles a vingar a morte de Pátroclo. Mas falta-me tempo, ando com o
cérebro arrasado, vivo entre sombras e reflexos de luz sem encontrar o
equilíbrio onde umas e outros me possam proteger. Entrei, entretanto, no O Sofista de Platão. O longo estudo que
ao autor consagra o meu estimado José Trindade Santos é denso, complexo,
obrigando-me a ler lentamente, a tomar notas, a sublinhar. Um verdadeiro
trabalho! Apeei-me, contudo, das páginas do filósofo grego, para desobstruir a
minha caixa de correio electrónico respondendo por uma hora ao Robert, ao
Guilherme Parente, ao Schneider, ao Banco, a um leitor que está a organizar um
acontecimento sobre o cineasta Jorge Bruno do Canto e me pediu uma palavra.
- Sexta-feira dei um salto à CGD para uma reunião e de caminho visitei
os meus artistas na Brasileira. Lá os encontrei a todos, submersos num mundo
que não toca já (e ainda bem) este onde vegeta a maior parte dos portugueses.
Entre nós, naquele happy end de todas
as manhãs, é o desassossego que a liberdade toma quando nada a impede ombreie
com a felicidade. Todos os disparates são permitidos, todas as censuras
derramadas, todo o palavreado indecoroso despejado sobre os tampos de mármore
habituados a reconhecer as vozes como as iras que as acompanham daqueles que
depois de mais de um século fazem do café o cenáculo de preciosa e saudosa
memória da má-língua. Começamos bêbados logo às primeiras horas do dia sem
termos tocado numa gota de álcool. Dali foram eles almoçar ao Polícia para
aonde me queriam arrastar e eu ia de vontade, se não se desse o caso de ter
combinado almoçar com a Inês na velha Trindade mais acima. A restolhada de saltimbancos
que inunda o Chiado é a outra vida que se estende monótona, the same, por toda a Europa melancolizada
do euro.