quarta-feira, julho 01, 2015

Quarta, 1 de Julho.
José Régio. Terminei o volume (julgo que único) do seu Diário. É incrível o esforço, o dispêndio de energias para combater os intelectualoides da época. Reprovaram-lhe o facto de ser alguém, de se dedicar com profundidade à literatura, de estar afastado de Lisboa, de ter sido representado em França, de ser independente, de não estar filiado em nenhuma capela partidária, de ser, em resumo , um artista votado à sua arte com complexidade e singular âmago.  Muitos aspectos da sua luta, ainda hoje persistem numa sociedade medíocre, mesquinha, invejosa e pomposa que é a dos literatos.

         - A Grécia não sai dos escaparates. Admiro o sangue frio, a coragem daquele povo. Muitos dizem o óbvio: aqui chegados não temos nada a perder, nem nada a ganhar. Estamos, enfim, livres para refazer o nosso caminho. Quinze anos volvidos sobre a entrada do euro na já então desgraçada vida dos povos forçados a pertencerem a uma comunidade criada para produzir escravos, a Grécia como todos os outros países à excepção da Alemanha, está no limite do sufoco. Todos perderam a independência, são governados por uma clique de contabilistas e corruptos eurocratas a soldo de patrões sem rosto, com taxas de desemprego assustadoras, em alguns países (Grécia, Espanha, Portugal) a rondar, em média, os 20 por cento, défices dos PIBs elevados (a Grécia chega quase aos 200%), duas ou três gerações hipotecadas a pagar com língua de fora aos especuladores dívidas monstruosas e multidões de descontes infelizes e apalermados, com tudo o que diariamente lhes cai em cima das suas tristes vidas. A miséria, a grande e negra miséria, é o futuro de um continente outrora na charneira do mundo civilizado e culto.

         - Helder, vamos lá, vê o que há de belo no grilo que se instalou na cozinha. Canta que se desunha, sobretudo à noite quando fechas as portadas. Ele e o Black convivem sem problemas. Só não sei como se alimenta para manter aquela alegria exuberante que sobra para mim, miserável criatura, afundada na incredulidade das promessas fabricadas para nos iludir a todos.


         - O calor abrandou. Tenho tudo aberto para sair a temperatura abafada que aqui entrou. Por isso, folguei hoje e não reguei o jardim. Ontem li as primeiras cinquenta páginas da Ilíada quase em êxtase. As notas do seu tradutor, Frederico Lourenço, são preciosas e denotam profundo conhecimento e paixão. Antes tinha terminado o Diário de Sartre, o de Régio e Palestine de Haddad. Que mais? Telefonou a Annie. “Helder, on se voit bientôt, n´est pas?” Também a Alice com problemas na casa a adiar (que jeito me dá) a minha ida lá.