domingo, março 31, 2024

Domingo de Páscoa.

Escrevamos ao sabor da escrita. Como já aqui disse, enquanto os humanos se reduzem a um algoritmo, as desgraças tomam nomes impressionantes. Desta vez, a tempestade que se acercou de nós, tomou o nome de Nelson. Este rapaz semeou em dois dias formas mais terríveis de sustos que perecem ter sido tornados: no Algarve, Montijo e no Tejo, em Lisboa. A par de chuvas torrenciais, trovoadas, inundações, derrubem de árvores de grande porte, frio, paralisação da vida. 

         - Não obstante, saí anteontem da toca para ir ao encontro do João Corregedor à Brasileira. Ali estivemos à conversa, eu interiormente de atalaia, não fosse ele disparar política com todo o tiroteio que chega da Assembleia Nacional por esta altura assanhada ou pronta a disparar às primeiras horas do novo Governo. Pelo contrário, a tarde que foi longa, decorreu simpática, íntima, abordando temas daqui e dali, numa cavaqueira de cavalheiros educados e simpáticos. A tal ponto que ele acabou por me convidar para o almoço, num restaurante ao fundo da Rua Anchieta, espécie de taberna austríaca, barulhenta, cheia de novos-ricos que atiravam para a mesa os salários elevados, julgando-se grandes senhores, elevando a voz, gritos aos filhos, expondo sem quererem a sua condição verdadeira, que a riqueza não esconde, antes amplia, mas onde comemos salsichas e batatas fritas, rematadas com um Strudel horrível que nada tinha a ver com aquele que eu comi na Áustria não tem um par de anos. Logo no começo, ele telefona à Marília desafiando-a a vir almoçar connosco, depois à filha para desafiar a mãe, e por fim ouço-o ao telefone lamentar-se pela sua ausência. A mulher, quando ele lhe diz que no regresso a casa lhe levará um Travesseiro de Sintra, deve ter dito “és um santo”, porque o escuto exclamar: “Eu um santo!” Enfim, dali entrámos na porta ao lado na Bertrand, porque eu queria dar-lhe a conhecer o último livro de Frederico Pedreira, mas ele, depois de deitar o olho ao texto da contracapa, pouso-o no escaparate torcendo o nariz. Teria razão. De facto, o texto que ele chama romance e eu tenho tendência a chamar-lhe ensaio, não é fácil sobretudo para alguém que tem o jogo endiabrado da política como escolha intelectiva. 

         - Grosso modo, gosto da equipa governamental construída por Luís Montenegro. À excepção do ministro das Infra-Estruturas por quem não tenho nenhuma confiança e simpatia, todo o resto do Executivo, se tiver arcabouço para lidar com a contra-democracia que vem da CGTP, do PCP, do Chega, do BE e do Livre, se conseguir trabalhar em vez de parlapatear como era useiro e vezeiro o camarada António Costa e seus muchachos – ele já deu provas que é capaz quando conseguiu formar o seu núcleo sem deixar escapar nenhum nome para os ditos jornalistas e comentadores -, então temos um ciclo longo de trabalho que espero seja de arrumo da casa, de proximidade aos cidadãos, aos mais pobres, e ao progresso que dá incentivo a todas estas acções. 

         - Deixei entrar o Ressuscitado e o dia encheu-se de esperança e alegria. Trabalhei sereno, assisti ontem à Via-Sacra de Roma, hoje à Missa de Páscoa do Vaticano celebrada pelo Papa Francisco muito debilitado. Um dia assim, só o de quinta-feira, 28. Houvera a Deus que eu possa terminar os meus dias na serenidade e na paz que nos anuncia que nada do que aqui vivemos foi inútil enquanto preparação para a Ressurreição. 

         - A ideia de um Deus, vem dos confins dos tempos. Muitos séculos antes da vinda de Jesus  Cristo, no Antigo Testamento como nos filósofos gregos e latinos, o prenúncio de alguém sobrenatural que nos guia e nos criou, alimentou as consciências e deu azo a muitas guerras, mortes e heresias (do grego haíresis). Atente-se neste fragmento de prosa sublime, que faz parte dos Diálogos de Marcus Cícero no livro 1 De natura Deorum (IX 21): 

“Do facto de o mundo não existir não se segue que não existissem os séculos (quando emprego aqui a palavras “séculos” não me estou a referir àqueles que são constituídos  pelo número de dias e de noites e pelo correr dos anos, porque reconheço que estes não poderiam existir sem a revolução do universo; mas houve desde o tempo infinito uma certa forma de eternidade que não é mensurável por quaisquer unidades de tempo, embora possa compreender-se pela qualidade do espaço, uma vez que não é pensável que não tenha havido alguma facção de tempo quando o tempo ainda não existia).