segunda-feira, março 25, 2024

Segunda, 25.

Não saí daqui o dia inteiro no labor que me enche as horas. Progredi no corte da erva ruim em duas sessões de manhã e de tarde, li o romance de Frederico Pedreira Sonata para Surdos, avancei de braço dado com Ana Boavida antes de jantar. Um dia pleno de fulgor não obstante a agressividade do clima caprichoso que agora nos visita inopinado: sombras de sol, vento agreste, céu pardacento a anunciar chuva mais adiante. O trabalho sempre foi para mim uma paixão. Toda a minha vida trabalhei no duro: quando estudei, quando abracei a rádio, o jornalismo, quando dirigi a agência de publicidade, quando meti ombros ao nascimento deste lugar outrora abandonado, com duas paredes de casa simples submersa no mato denso, que reergui e mais tarde alarguei ao conforto e dimensão actuais. Por isso, não entendo o que propõe o arcebispo-historiador, que dizem ser homem sábio, com quatro deputados às suas ordens, quando incentiva a semana de quatro dias de trabalho. O homem na sua obsessão pelo poder, nem parou um instante para pensar, estudar a vida dos infelizes que ficariam com tempo lesto sem saber como o consumir. Nem ele nem as criaturas da Intersindical, que se antecipam à ideia do historiador-político, fazendo greve às segundas e sextas-feiras, enquanto milhões de escravos são forçados a trabalhar por ordenados de miséria e muitos milhares vivem de subsídios, esmolas estatais, do ar contaminado que respiram, sem dignidade nem vontade de viver. Para uns derreterem o tempo montados em sólidos haveres; outros consomem a vida na busca de trabalho e da dignidade que ele acrescenta. A esta figurona elite de políticos de rifa, com vários encaixes financeiros daqui e dali, todos bem remunerados, quatro dias de labor por semana são suficientes para derreter o resto dos dias em cândidas acções de ajuda aos pobrezinhos, aos velhinhos, coitadinhos, à pregação das suas pelintras ideias sobre isto e aquilo, à assistência aos deuses esquecidos nos lugares íngremes da existência humana. Portugal peca e pecou ao longo da sua história por dar crédito a estes deuses nascidos da importância da ignorância que os alcandora a elites de uma mediocridade abissal, feita de patuá barato, para um povo simples que apenas tem uma malga de sopa, uma espreitadela pela rede ao jogo de futebol, uma ave-maria ao findar do dia, hoje um telefone portátil, uns ténis comprados aos ciganos e pouco mais... 

         - Despede-se o sinistro Governo de António Costa com o convite ao seu cúmplice de oito anos Marcelo Rebelo de Sousa. Sai um e outro ufanos com o excedente orçamental de 1,2 % do PIB, “contas certas” e tudo o mais que eu aguardo saber quando a nova equipa governamental entrar ao serviço. Têm muito pouco para apresentar enquanto socialistas, sendo certo que foi boa a redução da nossa dívida, mas o rasto de miséria, desorientação nacional, corrupção, governação fragmentada, leis mal feitas, desprezo pelas pessoas, a flama acesa em permanência da propaganda de feira, desorientação e desvalorização da dignidade de todos e de cada um, aumento criminoso de impostos, distribuição destes para amenizar a pobreza em vez da riqueza que não soube produzir, foi a marca que deixou para o novo executivo que vai levar anos a endireitar a Administração Pública e a elevar o moral da nação – eu não queria estar no seu lugar. Costa, sai pela porta estreita e baixa, humilhado e responsável pela subida e imposição do Chega e o abandono em todas as frentes do seu sectário Presidente da Assembleia Nacional, que a mim nunca me enfeitiçou, senhor Augusto Santos Silva. O senhor que arenga na SIC (naturalmente também inteligente), classifica-o de “muito  inteligente”. Contudo, Vicente Jorge Silva tinha outra imagem dele: “ministro de propaganda do socratismo, revelando uma vocação trauliteira de que eu nunca suspeitaria”. Eu sei: são todos muito inteligentes, numa jerarquia de patetas e oportunistas.