sexta-feira, abril 22, 2022

Sexta, 22.

A denúncia da censura no tempo do Estado Novo (de Salazar a Caetano), à luz do olhar e da reflexão de hoje, parece ridícula e até inocente. Há centenas de demonstrações expostas na galeria do Diário de Notícias e é absolutamente indispensável conhecer o “Arquivo Ephemera” , não só enquanto testemunho de um regime, como de uma certa ingenuidade dos agentes (a maior parte oficiais das Forças Armadas) que o defendiam pela mordaça do pensamento e da liberdade de opinião. Eram os agentes da Censura, por quem passava tudo o que se escrevia, representava, filmava, proferia. Eles passavam horas infindas a ler atentamente livros, jornais, revistas, e nada lhes escapava que pudesse pôr em causa a filosofia fascista.  Para nós, João e eu, foi um revisitar de um mundo do qual fomos vítimas, num confronto desigual entre liberdade de expressão e controlo e mordaça do direito humano de concordarmos ou discordarmos. A dada altura eu disse ao Corregedor: “Sabes o meu primeiro censor foi o Saramago.” Aconteceu no Diário de Lisboa e depois no Diário de Notícias. O primeiro com artigos, o segundo com a notícia de um meeting onde eu havia falado e as minhas palavras foram deturpadas, retiradas do contexto, o que me enfureceu e me obrigou a enfrentá-lo no café Monte Carlo (episódio narrado algures nestas páginas). Quando acima falei em ingenuidade, referia-me aos pareceres dos censores. Muitos dos seus escritos, são tão ridículos, tão descontextualizados, que me deram vontade de rir e se o leitor se der ao trabalho de os ler durante a visita, confirmará o que quero dizer. É de louvar e agradecer a José Pacheco Pereira a sua paixão por um período sombrio da nossa história. É ele que persistentemente vai construindo a memória que foi o Estado Novo e servirá aos vindouros e nos põe a nós hoje de atalaia a todas as formas de censura, venham elas da direita ou da esquerda; do patrão atrasado mental ou do pdg despótico que obedece ao grande capital, indiferente à verdade dos factos e à dignidade humana. 

         - O PCP cava todos os dias a sua própria sepultura. Não tarda desaparecerá da cena político-partidária, reduzido a um punhado de agitadores. Bem sei que ele tem os sindicatos do seu lado, mas penso que essa forma de manobrar os trabalhadores - os mais jovens já não se deixam levar na onda “do nosso povo e da classe trabalhadora”. O Comité Central há muito que deveria ter sido renovado, varrida aquela ideia maluca de quem não é por nós é contra nós, substituído por gente nova, com ideias mais largas, arejadas, sem o sufoco do marxismo que formou Cunhal e a sua geração e deu em figuras sinistras como Estaline, Nikita Khrushchov, Brejnev, Putin – verdadeiros ditadores, assassinos que dizimaram milhões em proveito das suas teorias criminosas e desumanas. Não compreender ou entretecer teorias masoquistas relativamente ao que se passa na Ucrânia, tem qualquer coisa da área psicopatológica que urge tratar. Faltaram ao discurso da Zelensky na Assembleia da República com o argumento da paz; pura demagogia e insulto ao povo português que maioritariamente está com o martirizado povo ucraniano.   

         - Voltou o frio e a chuva. Estamos no fim de Abril e ainda aprecio o conforto da manta inglesa sobre os joelhos. E agora que ia embalado a dizimar a erva ruim, eis-me retido em casa a admirar através das janelas o trabalho já realizado. Em breve terei de ir a Badajoz (o João já se candidatou a acompanhar-me e quer ir mais além rever Sevilha) comprar um cortador de relva Stihl. É mais caro, mas vale o seu preço em duração, leveza, conforto e... beleza. Quanto ao preço, devo economizar cerca de 200 euros. Terminei o livro de José Milhazes com admiração e apreço pelo seu árduo trabalho. 

         - Uma última referência aos longos momentos com o João depois da visita à exposição “Proibido por Inconveniente”. Abancámos para um chá no café dois passos abaixo e ali ficámos, em plena Avenida da Liberdade, a ver gente de todas as nacionalidades a subir e a descer a célebre artéria. Pouco se falou de política, muito dos nossos tempos de jornalistas, e, sobretudo, o banho de felicidade que nos cobriu e é inexplicável porque traduz o entendimento de duas pessoas que se estimam e sabem o valor que esses momentos carregam para o interior de cada um de nós. “Por mim ficava aqui o resto da tarde”, dizia o João grande apreciador de boa conversa, desfrutador de cada instante que paralisa num sopro a analogia que enriquece o convívio. Regressei a casa já tarde. Comboios atulhados. Serão de quase três horas a escutar as mentiras de Macron e Le Pen.