segunda-feira, abril 11, 2022

Segunda, 11.

Confirmaram-se as previsões: Macron e Le Pen vão à sua segunda volta com uma diferença de quatro pontos. Borda fora o senhor Éric Zemmour com apenas 7% dos votos e a grande novidade foi a ressurreição do PCF com 4% de crentes, mais ou menos a mesma percentagem dos comunistas portugueses. Aqueles, contudo, podem estar satisfeitos atendendo ao facto de há muitos anos não se candidatarem e, também, terem ficado à frente do PS de Anne Hidalgo presidente da Câmara de Paris. 

         - Obstina-se a comunidade internacional em provar e levar a tribunal Putin e seus sanguinários por crimes contra a humanidade. O problema é que o criminoso ditador, não reconhece o Tribunal de Haia e está-se marimbando para as acusações que lhe fazem, sendo senhor absoluto dos povos russos e ucranianos. E apanhá-lo? Os cúmplices pode ser que se consiga, mas o principal responsável, não. Ainda que haja sempre a captação de Radovan Karadzic condenado a 40 anos de prisão, em 2016. Tenhamos, pois, esperança de assistirmos à prisão do fascista acusado de genocídio.  

         - A TAP fechou 2021 com um prejuízo de 1599, um milhões de euros. Outro elefante branco que vamos ter de pagar com língua de fora. Façamo-lo, no entanto, por nacionalismo e amor a Portugal. Que seria de nós sem aquela bandeira a flutuar nos céus imensos do mundo. Pouco importa que em terra haja fome, doenças, salários baixos e reformas de miséria, posto que a TAP, enquanto símbolo socialista do nosso país, cruze as rotas internacionais levando o nome abençoado de um país próspero e feliz. 

         - Terminei a leitura do livro de Eugénio Lisboa, Aperto Libro. Esta curiosa personagem do nosso meio intelectual hoje com 91 anos, é cativante porque se contradiz e contradiz-se pelas mesmas razões e princípios que contesta aos outros. Espírito irrequieto, poço de paradoxos, fechado o livro esgota-se o diarista. Ao longo das 280 páginas, assistimos ao desespero do autor em ser reconhecido, em se agigantar ao nível dos demais, quase todos reduzidos à mediocridade. Grosso modo, concordo com ele e sou de opinião que só não erra quem não é livre, quem se esconde atrás dos cortinados do politicamente correcto, quem não ousa investir sobre a plêiade intelectualoide que faz carreira nas televisões e jornais. Vejamos alguma pimenta que alastra ao longo do livro. A propósito de Vergílio Ferreira: “O meu texto sobre a Conta-Corrente, saído na Colóquio, está a ter repercussão. E, a avaliar por esta, vejo quão pouco amado é V.F. Nem é para admirar: trata-se de um homem tão despido de bom humor, tão centrado em si mesmo, tão pouco caloroso, tão invejoso (digamos tudo), tão pouco feito para ser amado... A propósito, terá ele alguma vez amado alguém, o que se chama amar? Terá amado alguém para além de si próprio? Conhecer-se-á alguma verdadeira paixão?” E esta sobre Vasco Pulido Valente: “Dizem-me (presumo que é verdade) que o Vasco Pulido Valente vai trabalhar para o Público, à razão de cem contos por crónica. As putas estão a ficar caras. Cem contos por um estilo escorreito e por um conteúdo errático: ultrajar, afrontar, carregar no traço, for the sake of it. Dizer não imposta o quê (ai este português afrancesado, bom Eugénio!) desde que seja excessivo e brutal. Desde que desarrume e enxovalhe, mesmo não tendo razão: o Cavaco é uma besta, do Eça salvam-se dois parágrafos, o Camões era um zarolho italianizado, o Pessoa rimava mal e pensava pior: coisas neste gosto. (...) “Os patrões pagam e sorriem, beatos: tenho a minha puta no meu pay-roll. As outras putas mais antigas dizem: “Esta nossa puta mais recente tem mau feitio mas tem talento.” Quanto a mim, que conheci pessoalmente Vergílio Ferreira  e, inclusivamente, ele cita-me no seu Diário (para além de me escrever), não tenho razões de queixa; e quanto ao V.P.V. achava-lhe piada e concordava muitas vezes com ele. Talvez porque eu, modesto, não me reputo ao mesmo nível dos visados...  Quando afirmo que o escritor e ensaísta se esgota, quero dizer que nas páginas do seu livro passa muito pouco do autor, transformando o “diário” num bloco de notas e, por conseguinte, num registo a prazo. Muito diferente dos diários de Julien Green, Gide, Torga, Woolf, Junger ou mesmo Mansfield e Matzneff. Mas é de ler o intrépido autor que imagino à son âge ainda activo e apaixonante. (Green com 98 anos ainda escrevia romances e Ernst Junger aos 101 estava activo. Outra gente.) 

         - Não deixei este convento, preenchendo o tempo com leituras, avanço no romance, cozinha, conversas ao telefone sob chuva por vezes forte e intermitente. É impressionante o que aconteceu aqui com as primeiras chuvas. Houve como que uma ressuscitação da natureza, as árvores rebentaram de folhas e flores, todo o espaço até aqui sonâmbulo, ergue-se esplendoroso e revitalizado, cheio de vida e anos a provir. A sua energia passa para nós em harmonia, sagesse e comunhão.