terça-feira, maio 21, 2019

Segunda, 20.
Na SIC, aos domingos, há um seminarista de serviço aos bons costumes e à moral, que eu vejo de vez em quando. Dizia ele acerca das condecorações ao nosso comendador Joe Berardo, que por uma questão de “conduta” as medalhas e bandas vistosas, deviam ser arrancadas dos casacos mal amanhados do agraciado. E como é pequeno e sentado não pode pôr-se em bicos de pés, teceu um paralelismo com José Sócrates a quem foi dada a Grã Cruz da Ordem do Infante Dom Henriques. Acontece que, não sendo eu de maneira nenhuma a favor do ex-primeiro-ministro socialista como os meus leitores sabem, não deixo, todavia, de me insurgir com o aspecto demagógico daquele que está a candidatar-se há muto tempo a Presidente da República. O milionário de férias na Ericeira, ainda não está formalmente acusado da catrefada de crimes que estou absolutamente convencido cometeu.

         - Domingo fui à sessão da noite ver o filme Hotel Império. Com realização de Ivo M. Ferreira e nos papéis principais a ex-mulher Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan, com especial atenção à representação da senhora, notável de segurança, desmultiplicação psicológica e ousadia física nas cenas difíceis de sexo e perversões de ordem vária. A história passa-se na nossa antiga residência no Oriente, Macau, com o seu mundo sombrio de crime, estupefacientes, ruas apinhadas de gente, arranha-céus alcandorados sobre a planície imunda onde seres humanos cumprem a vida sob o céu distante, onde não chega a solidão imensa da imensa multidão que povoa bairros degradados, casas em ruínas, sexo escravo e tudo o que o realizador decerto conhece, pois não é possível expor aquela chaga sem a olhar ou tivesse olhado na sua dor e contaminação diárias. A direcção de luz é espantosa, como notável é também a dignidade do realizador que, sem descer ao estereótipo, descreve o esforço dos proprietários em não vender o hotel que foi herdado de gerações, mas que o capitalismo selvagem que hoje impera no mundo ocidental como por todo o lado, não hesita em se socorrer de processos criminosos quando depara com alguém que heroicamente vive contra a corrente do lucro fácil e da desumanização dos sistemas de conduta. Não sendo uma obra-prima, é um filme que honra toda a equipa que nele trabalhou e merece abso-lu-ta-mente ser visto.  

         - A extrema-direita austríaca exibiu a sua marca, idêntica a toda a direita, aqui em Portugal como em qualquer outro país. Os esquemas mentais e as acções criminosas são as mesmas: o poder a qualquer preço. O seu líder, Heinz-Christian Strache, foi apanhado num filme a discutir a troca de favores políticos por financiamentos públicos, isto é, a utilização do dinheiro dos contribuintes. Em consequência, a coligação com o Partido Popular Austríaco, foi desfeita e o país tem novas eleições em Setembro. Bom. Mas a coisa não fica por aqui. O líder da extrema-direita, tentando limpar o atentado à democracia e à confiança que o povo lhe concedeu, saiu a defender-se com a fragilidade humana e a pedir desculpa à esposa que diz amar profundamente, ao utilizar o cargo para engatar a rapariga russa que acompanhava um oligarca russo, em Ibiza, onde o filme foi gravado há dois anos. Lata e pouca vergonha, como se sabe, fazem parte do curriculum de qualquer político do nosso triste tempo.

         - Extraio do artigo de António Barreto, domingo no Público, o último parágrafo que assino de cruz: “Catervas de políticos à solta, bandos de capitalistas (nem todos empresários...) e de traficantes de influência (nem todos ilegais...) associados a advogados e seus escritórios, ligaram-se ao poder político com mais profundidade e mais intimidade do que o Estado Novo salazarista ou o comunismo de Cunhal e Gonçalves e estreitaram o seu conúbio com dois partidos, o PS e o PSD. Governam a sociedade e a política. E até agora não encontram diante de si instituições livres, independentes e eficazes que lhes ponham travão. É o que faz um país vulnerável.”  


         - Os comboios da Fertagus estão a ficar tão degradados que o que transportam é cada vez menos pessoas. Estas estão metamorfoseadas em gado, sardinha, sei lá o quê. As carruagens são as mesmas, como os horários também. Esta bagunça, deve-se ao passe mágico que teve em conta a ambição do Mágico a montante e a repulsa e dignidade dos passageiros a jusante. Quando a revolta se instalar - o que vai acontecer em breve -, os preços vão aumentar no pressuposto que quem quer um bom serviço público tem de o pagar. É sempre assim que as coisas se passam no nosso adorável país. O que eu vi anteontem e ontem, é assustador. Nem os lugares para deficientes são respeitados ou só o passarão a ser quando forem taxados como acontece com os espaços de estacionamento de rua.