Segunda,
20.
Na
SIC, aos domingos, há um seminarista de serviço aos bons costumes e à moral,
que eu vejo de vez em quando. Dizia ele acerca das condecorações ao nosso
comendador Joe Berardo, que por uma questão de “conduta” as medalhas e bandas
vistosas, deviam ser arrancadas dos casacos mal amanhados do agraciado. E como
é pequeno e sentado não pode pôr-se em bicos de pés, teceu um paralelismo com
José Sócrates a quem foi dada a Grã Cruz da Ordem do Infante Dom Henriques.
Acontece que, não sendo eu de maneira nenhuma a favor do ex-primeiro-ministro
socialista como os meus leitores sabem, não deixo, todavia, de me insurgir com
o aspecto demagógico daquele que está a candidatar-se há muto tempo a
Presidente da República. O milionário de férias na Ericeira, ainda não está
formalmente acusado da catrefada de crimes que estou absolutamente convencido
cometeu.
- Domingo fui à sessão da noite ver o
filme Hotel Império. Com realização
de Ivo M. Ferreira e nos papéis principais a ex-mulher Margarida Vila-Nova e
Rhydian Vaughan, com especial atenção à representação da senhora, notável de
segurança, desmultiplicação psicológica e ousadia física nas cenas difíceis de
sexo e perversões de ordem vária. A história passa-se na nossa antiga
residência no Oriente, Macau, com o seu mundo sombrio de crime,
estupefacientes, ruas apinhadas de gente, arranha-céus alcandorados sobre a
planície imunda onde seres humanos cumprem a vida sob o céu distante, onde não
chega a solidão imensa da imensa multidão que povoa bairros degradados, casas
em ruínas, sexo escravo e tudo o que o realizador decerto conhece, pois não é
possível expor aquela chaga sem a olhar ou tivesse olhado na sua dor e
contaminação diárias. A direcção de luz é espantosa, como notável é também a
dignidade do realizador que, sem descer ao estereótipo, descreve o esforço dos
proprietários em não vender o hotel que foi herdado de gerações, mas que o
capitalismo selvagem que hoje impera no mundo ocidental como por todo o lado,
não hesita em se socorrer de processos criminosos quando depara com alguém que
heroicamente vive contra a corrente do lucro fácil e da desumanização dos sistemas
de conduta. Não sendo uma obra-prima, é um filme que honra toda a equipa que
nele trabalhou e merece abso-lu-ta-mente ser visto.
- A extrema-direita austríaca exibiu a
sua marca, idêntica a toda a direita, aqui em Portugal como em qualquer outro
país. Os esquemas mentais e as acções criminosas são as mesmas: o poder a
qualquer preço. O seu líder, Heinz-Christian Strache, foi apanhado num filme a
discutir a troca de favores políticos por financiamentos públicos, isto é, a utilização
do dinheiro dos contribuintes. Em consequência, a coligação com o Partido Popular Austríaco, foi desfeita e o país tem novas eleições em Setembro.
Bom. Mas a coisa não fica por aqui. O líder da extrema-direita, tentando limpar
o atentado à democracia e à confiança que o povo lhe concedeu, saiu a
defender-se com a fragilidade humana e a pedir desculpa à esposa que diz amar
profundamente, ao utilizar o cargo para engatar a rapariga russa que
acompanhava um oligarca russo, em Ibiza, onde o filme foi gravado há dois anos.
Lata e pouca vergonha, como se sabe, fazem parte do curriculum de qualquer político do nosso triste tempo.
- Extraio do artigo de António
Barreto, domingo no Público, o último parágrafo que assino de cruz: “Catervas
de políticos à solta, bandos de capitalistas (nem todos empresários...) e de
traficantes de influência (nem todos ilegais...) associados a advogados e seus
escritórios, ligaram-se ao poder político com mais profundidade e mais
intimidade do que o Estado Novo salazarista ou o comunismo de Cunhal e
Gonçalves e estreitaram o seu conúbio com dois partidos, o PS e o PSD. Governam
a sociedade e a política. E até agora não encontram diante de si instituições
livres, independentes e eficazes que lhes ponham travão. É o que faz um país
vulnerável.”
- Os comboios da Fertagus estão a
ficar tão degradados que o que transportam é cada vez menos pessoas. Estas
estão metamorfoseadas em gado, sardinha, sei lá o quê. As carruagens são as
mesmas, como os horários também. Esta bagunça, deve-se ao passe mágico que teve
em conta a ambição do Mágico a montante e a repulsa e dignidade dos passageiros
a jusante. Quando a revolta se instalar - o que vai acontecer em breve -, os
preços vão aumentar no pressuposto que quem quer um bom serviço público tem de
o pagar. É sempre assim que as coisas se passam no nosso adorável país. O que
eu vi anteontem e ontem, é assustador. Nem os lugares para deficientes são respeitados
ou só o passarão a ser quando forem taxados como acontece com os espaços de
estacionamento de rua.