quarta-feira, maio 29, 2019

Quarta, 29.
Apesar de andar com pouca vontade em alinhar palavras, tecer discursos, olhar a política, pensar, desabafar, abraçar o mundo num olhar atento ou distraído, como se fosse parte dele, a escrita que me escraviza e me cinge num desespero contínuo, numa excitação que me parte os nervos, me paralisa ao arrepio de quem sou na realidade, ainda que essa realidade não tenha alicerces que sustentem o empenho que o exercício de escrever exige, apesar de toda esta apatia que desde há três meses tomou conta de mim, aqui me mantenho como capitão ao leme do barco que ameaça a todo o instante afundar-se.


         Retomemos, então, a viagem ainda que as vagas alterosas me obriguem a um esforço hercúleo, a reunir energias que vou buscar a este espaço alagado de verdura, de sol a rodos, de silêncio religioso, de vida profunda na solidão que nos habita, cheia do silêncio que murmura choros longínquos, vindos de outras galáxias sem mares nem remos nem marinheiros de barba esquálida e braços fortes, odores intensos, brandos e ternos olhares à superfície do universo imensurável, onde espero um dia ancorar nos braços translúcidos da morte transformada em ressurreição, em arte, em bênçãos, em ladainhas rejubilares, em perdão, em tudo aquilo que neste momento me foge em padecimentos que não ouso contar, dias desvairados, vazios e inúteis quando a vida se furta ao elemento principal -  a Tua protectora presença no horizonte de mim.