Quarta,
29.
Apesar
de andar com pouca vontade em alinhar palavras, tecer discursos, olhar a
política, pensar, desabafar, abraçar o mundo num olhar atento ou distraído,
como se fosse parte dele, a escrita que me escraviza e me cinge num desespero
contínuo, numa excitação que me parte os nervos, me paralisa ao arrepio de quem
sou na realidade, ainda que essa realidade não tenha alicerces que sustentem o
empenho que o exercício de escrever exige, apesar de toda esta apatia que desde
há três meses tomou conta de mim, aqui me mantenho como capitão ao leme do
barco que ameaça a todo o instante afundar-se.
Retomemos, então, a viagem ainda que
as vagas alterosas me obriguem a um esforço hercúleo, a reunir energias que vou
buscar a este espaço alagado de verdura, de sol a rodos, de silêncio religioso,
de vida profunda na solidão que nos habita, cheia do silêncio que murmura
choros longínquos, vindos de outras galáxias sem mares nem remos nem
marinheiros de barba esquálida e braços fortes, odores intensos, brandos e
ternos olhares à superfície do universo imensurável, onde espero um dia ancorar
nos braços translúcidos da morte transformada em ressurreição, em arte, em
bênçãos, em ladainhas rejubilares, em perdão, em tudo aquilo que neste momento
me foge em padecimentos que não ouso contar, dias desvairados, vazios e inúteis
quando a vida se furta ao elemento principal - a Tua protectora presença no horizonte de mim.