Segunda,
3 de Julho.
Ainda
acerca da minha ida ao hospital. Contam-se, felizmente, pelos dedos de uma mão
as vezes que entrei naquelas cidades de desespero. Mesmo assim, de todas as
ocasiões, pelo que observei de beleza e graça, digo para mim mesmo que médicos
e enfermeiros têm de ter uma boa dose de encaixe ou distracção assentida, para
não esbarrarem continuamente na tentação da facadinha no matrimónio. É que a
sensualidade, o trejeito corporal, o rosto incendiado do cansaço, a perturbação
que desequilibra, o toque físico que desorienta, o adiantado das noites quase
sossegadas, convidativas ao murmúrio, ao namoro tocado pela aflição do doente
da cama 37, as luzes que piscam encimando quartos vazios, tudo isso e mais o
que a mente alterada pelos casos complicados traz, é de molde a solidificar em
cada amplexo uma espécie de sentimentos paralelos que esquecem os que lá fora a
vida impõe e são largados como coisa inútil quando vencem os portões do
hospital e uma outra dimensão se intercala. Os enfermeiros e enfermeiras são
demasiado jovens e todos exibem a juventude travada de desejos. Ali, quando
calha, estou absolutamente certo, alguém dança um pas-de-deux...
- A sensação que se tem, é que
Portugal está saque. A história do roubo de armamento em Tancos, é de tal modo
surpreendente pela quantidade e qualidade do material, que só pode ter sido
realizado por pessoas que sabem do negócio e possuem intenções precisas para
ele. Em sequência, como é habitual entre nós, o Governo disfarça, cospe para o
lado, faz-se palerma e a oposição, sobretudo a Mãe-de-Todas-as-Mães, patética,
em bicos de pés, tenta com o caso tornar-se aquilo que não é nem nunca será:
primeiro-ministro, presidente da Câmara de Lisboa ou líder de partido. Se a
este caso juntarmos os incêndios que devastaram grandes áreas e mataram
sessenta e tal pessoas, temos o retrato do país e de quem o governa. Nem todos
os afectos e magias almejam devolver aos portugueses a serenidade e a confiança
que há muito não desfrutam.
- Este fim-de-semana envolvi-me no
trabalho de tornar a água cristalina. Para tanto, atirei para a conta da
eléctrica chinesa e o bolso do senhor Mexia, uns quantos quilowatts que me
fazem uma falta danada. Mas, como sempre, comigo, tudo é uma questão de
responsabilidade e gosto por bem fazer as coisas. Talvez até antes da saúde
sendo eu um tipo bizarro. Quando mergulhei ao fim da tarde de ontem, tive a
recompensa e foi como se um lago de um azul imaculado tivesse descido do céu
para me acompanhar nas batidas felizes do crawl.
- A propósito de saúde (não te
estendas em sorrisos e auto-confiança, Helder!). Outro dia eu não disse o que
me devolveu a médica ensandecida de cansaço e maratonas quando olhou o ecocardiograma
que ela própria fez: “há muito tempo que não vejo um coração tão perfeito em pessoas
com mais de quarenta anos”, subentendido, julgo eu, que portugueses quarentões
e por aí adiante, possuem actividade cardíaca deplorável.