sexta-feira, julho 28, 2017

Sexta, 28.
Fogos, fogos e mais fogos. Todo o drama do mundo esvai-se na tristeza dos que foram atingidos e na cantilena partidária daqueles que se aproveitam para conseguir o voto do gato morto, do cão vadio, da floresta transformada em cinzas, do logro que constrói a realidade portuguesa. Hoje, o espectáculo da morte e da desgraça, é de todos o mais atractivo e aquele que entretém uma sociedade de sádicos embrutecidos pela televisão.  

         - Outro dia estive à beira de me desfazer deste paraíso. Uns franceses amigos de amigos meus, ofereceram 700 mil euros para deixar o que me custou trinta anos a construir. Sorri, disfarcei e depois disse que há alguns anos recebi aqui um casal que me ofereceu 800 mil. Conversa mole, a tentar distrair-me da tentação e evitar que a cavaqueira ultrapassasse os limites do razoável. Tomando o Porto no terraço, dizem-me os meus amigos: “a oferta tem a ver com uns amigos nossos que compraram o mês passado um apartamento no Chiado por 700 mil euros!” Ah! A isto chama o Mágico progresso.

         - O livro de Matrick Modiano, Une jeunesse é um longo calvário de olhares sobre o manto escorregadio da cidade, Paris. Avançamos de página em página com o sentimento de que não vamos prosseguir por demasiado circular, deambulante e girando em torno das personagens que aparentemente não marcam o texto. Mas depois, há qualquer coisa na construção da narrativa, um toque de sedução, uma carícia no leitor que nos detém e nos impele a continuar. Dir-se-ia que são os lugares que a memória não ousa esquecer que dão cor e força ao romance e as personagens apenas uma forma de humanização do enredo de si absolutamente feliz e errante. Aliás à imagem do seu criador, tal como o vi num programa de Bernard Pivot. Há algo de etéreo, de sublime, de simpático até no Nobel da Literatura.


         - Tenho sempre a sensação de tempo perdido, gasto no vazio dos afazeres quotidianos – contactos, almoços, idas aqui e acolá – quando não prendo as manhãs ao romance. Necessito ab-so-lu-ta-men-te de me ausentar, desenvolver a conversa com o juiz Apostolatos e outras personagens que em torno dele desconstroem o mundo de atropelos e soberba. Essas horas irreais, longe do bulício da realidade, são sagradas e constituem os alicerces da minha existência e reforçam os valores de justiça e ética de que todos os dias me quero aproximar um pouco mais.