Sábado,
22.
Lisboa.
Cidade onde nasci, me criei, me fiz o pouco que sou. Conheço-a como a palma das
minhas mãos, quero dizer o centro, as avenidas novas, o Cais do Sodré, do lado
do aeroporto, Expo, Belém até Cascais. Tendo vivido a infância e adolescência na
Rua do Salitre, depois na de S. Marçal, entre o Chiado e o Rato, quase não a
reconheço transformada numa espécie de souk
marroquino. Acontece que fui ontem passar uma hora com o Simão à Rua dos
Fanqueiros, tendo descido do Chiado a pé e atravessando toda Baixa literalmente
varrida por povos europeus com cheiros e modos africanos, arrastando os pés
pela calçada em abrolhos de gente barulhenta, alparcatas nos pés, quase
despida, reinando nas ruas como se fossem os bairros sociais onde nasceram e
cresceram sem conduta nem respeito por ninguém. A capital está irreconhecível.
A choldra é total, a civilização desapareceu, a ganância fez dos negócios
tradicionais produto aldrabado, os chamados B & B ou os hostels como chamam aos quartinhos alugados à hora ou ao dia (não há homo que eu conheça que não
tenha embarcado no negócio), invadiram as velhas artérias, os prédios
pombalinos, por todo o lado há gente a puxar malas, a empurrar quem com eles se
cruze nos passeios estreitos, a não respeitar semáforos nem a conduta colectiva,
numa anarquia que esventra as fachadas, entope as ruas, inunda de imundice
todos os espaços, com níveis de decibéis nunca antes vistos, isto depois de
terem corrido com as velhas e os velhos das suas habitações, os terem empurrado
sabe-se lá para aonde, na fúria do que chamam turismo e dizem ser a varinha
mágica da economia que o governo não sabe fazer, desleixando a indústria como
alavanca segura de crescimento. Todo este “progresso” desaparece de um dia para
o outro, bastando que um qualquer barbudo do Daesh lance num qualquer canto da
cidade uma simples bomba de carnaval. É tiro e queda. Nada disto possui
consistência, não entra nas estatísticas que o Mágico adora, nem nos afectos de
Rebelo de Sousa. É areia fina que passa através dos dedos daqueles que teimam
em ganhar dinheiro fácil, de pressa, sem trabalho e sem pagar impostos. Enfim, moche, moche, moche.
- Com efeito, o país está melhor.
Dou-vos duas provas. O Corte Inglês passou a cobrar o transporte de tudo o que
lá se compre e seja necessário levar a casa. A Caixa Geral de Depósitos, passou
a cobrar seis euros/mês a todos os depositantes.