Sábado,
14.
Éramos
uns vinte em torno do António Segurado. O encontro fora marcado para as 12,30
horas, no restaurante Retiro do Sossego, na Buraca. Saíram do Chiado no carro
desportivo do Guilherme quatro criaturas pesadas e um pendura, de grossas coxas,
abastados ventres e uma boa disposição à prova de tudo. Calor insuportável,
enganos sobre enganos, ninguém sabia ler o GPS ou este os fintava por ruas,
espaços, colinas, avenidas de uma fealdade inenarrável até que, ao fim de quase
uma hora, fomos bater num barracão erguido sobre alumínios daqueles que durante
anos fecharam as marquises dos portugueses sem esquecer a casa do ex-Presidente
da República, ex-professor, ex-economista, ex-excelência Aníbal Cavaco Silva
hoje decerto a banhos na vivenda Mariani (agora parece que tem outro nome de
que não me recordo). O carro estacionou mesmo nos degraus do restaurante,
entrámos, portanto, sem dificuldade. Dentro a choldraboldra era insuportável, o
calor adstringente, os clientes tirados de um filme de Fellini, o aparelho de
ar condicionado montado no tecto, não funcionava. Com a perna que leva as
mulheres a pedirem-me casamento súbito adormecida devido à coxa rechonchuda do
Alexandre sobre ela durante o trajecto, tive dificuldade em restabelecer os
movimentos. Enfim, sentado, a uma junção de mesas, logo atulhei os ouvidos com
bocados de papel do guardanapo de modo a atenuar o tumulto que reinava e que
levou o Carlos a dizer com a concordância do Virgílio, que o Príncipe ao pé
daquilo é um convento. Eu sugeri ao patrão que mudasse o nome para Retiro do
Desassossego, mas ele tinha a sua versão que vinha de há quarenta anos quando
aquelas paragens eram idílicas e por ali pastavam cabras e ovelhas. Bom. Não
tardou, vieram para a mesa não sei quantas garrafas de tinto e branco, da
melhor zurrapa, e não foi preciso muito tempo para a maioria trocar os olhos,
as palavras, os copos e tudo o que o patrão iam pondo e retirando a uma
velocidade incrível. Dois pratos: bacalhau no forno e sardinha assada, tudo
execrável. O primeiro a nadar em azeite, as segundas a revirar os olhos de
tristeza. Entretanto, há muito que já ninguém se entendia, na surdina colectiva
somou-se a voz de um fadista a cair de bêbedo que decidiu entoar os fados mais
passados da história infeliz dessa colectiva identidade nacional até que alguém
o correu a pontapé. Ter uma conversa decente, entre cavalheiros civilizados,
sobre temas de política, pintura, literatura ou qualquer área que o álcool não
ofuscasse, impossível. Quando tinham passadas umas boas três horas, comparece o
João Corregedor e a mulher, naquele dia aniversariante. Ele tinha-me telefonado
várias vezes em dias anteriores a dizer-me que vinha, depois que não vinha, de
seguida que talvez viesse, por fim que não vinha de todo, até que estando nós a
terminar o ágapa, depois de uma hora às voltas, agastado do calor e enervado
por não encontrar a localização, surgiu no seu Mercedes descapotável, sentaram-se
ambos, exaustos, para comer uma omeleta, ele; um naco de um bife canalha que
veio do fundo da cozinha que ninguém quis conhecer, ela. Marília, contudo,
gentil e amável, quis festejar o seu dia connosco e trouxe o melhor de tudo o que
nos foi servido – um excelente bolo de aniversário vindo da Versalhes, acompanhado
de um borbulhante espumante alemão. Foram eles que me salvaram o almoço. A
turba dos amesendados congratulou-se com o espumante. Passámos de imediato à galeria
d´arte do Segurado, onde os habituais brindaram ao êxito do espaço com uísque.
Todos lhes desejámos sorte, e upa que se faz tarde. De regresso a Lisboa,
deixámos com vigilância na Lapa o Virgílio e o Carlos e antes do Guilherme e o
Alexandre rumaram a Cascais, apearam-me a mim à entrada do metro, no Rato.
- Esta manhã, muito cedo, depois de
hora e meia de rega, colhi uma caixa de amoras. Tenho a quinta cheia deste
fruto que reúne todas as qualidade benéficas para a saúde e é pela sua natureza
uma excelente protecção para os visitantes indesejáveis.