quinta-feira, julho 20, 2017

Quinta, 20.

O lado da quinta onde as silveiras invadiram o espaço, galgaram sobre as macieiras e abraçaram os cedros, é mágico. Esta manhã, no meu habitual passeio para colher amoras, detive-me por largo tempo a admirar a beleza rebelde que fez ao correr da herdade um alpendre de silvas bravas ornamentadas de amoras negras e vermelhas. Tão selvagem, misterioso, cativante e agressivo, que não se deixa tocar e muito menos aproximar, onde só os pássaros e certos répteis têm permissão de passar através dos seus fios espinhosos, assim como o vento que ali canta de um modo diferente, nem agressivo nem dolente, antes num trinado que parece reverberar em cada espinho uma melodia que cheira a manhãs claras, frescas, de pulmões cheios dos aromas que invadiram o lugar e onde o sol passa por cima lambendo com a sua língua de fogo cada cacho do fruto delicioso que por ser bravio não permitir a qualquer se acerque. Cada braço com mais de um dedo de grossura, sólido de um vermelho escuro, entrelaça-se no emaranhado de espinhos e folhas que parece serpentear como um dragão chinês de comprida cauda. Apesar da densa folhagem, quando o vento entra na sua estrutura vegetal, empurra aquela massa enorme a que a paleta de verdes dá mais espanto e beleza. Então, ouve-se – eu ouvi – como campainhas penduradas da decoração que a natureza se encarregou de fazer, os frutos soltar cristalinas badaladas de uma pureza divina que entra em nós e nos reduz por muito tempo a sombras de luz no meio do caos impenetrável. A tristeza que carrego há alguns dias, sucumbiu ante o rumor incessante, o fulgor do caramanchão, a frescura daquela imensa trepadeira que soube regenerar a dor e devolver-ma em alegria e paz.