segunda-feira, março 06, 2023

Segunda, 6.

Comprei o Público de ontem que é de antologia. O jornal tem por hábito convidar uma das ditas figuras públicas para compor a edição aniversariante (33º ano). Este número coube ao artista chinês Ai Weiwei que vive no Alentejo, suficientemente longe da China por motivos óbvios. O resultado é simultaneamente uma obra de arte, um arrojo de paginação, um grito de liberdade, um olhar intenso sobre o mundo, isto é, a Vida e a Morte com que abre o maravilhoso exemplar que vou guardar para a posteridade. Nenhum outro director depois de Vicente Jorge Silva foi tão visionário, tão criativo, tão moderno. Caro Weiwei, não deixe este país e diga-nos em voz sonante e sem temores, o que se esconde no horizonte hoje já pouco misterioso do Extremo Oriente, onde falta o essencial à vida – a liberdade. 

         - Com o João Corregedor, depois daquele insano almoço, de cada vez que nos encontramos, há como que um distanciamento visceral, automático que me leva a estar de atalaia às directrizes politicas a que o seu extremismo conduz. Todavia, o homem é bondoso, atento aos amigos, disponível para lhes aligeirar os sofrimentos, com méritos bastastes para acolher a minha simpatia. Ele ocupa-se do nosso grupo, telefona a este e àquele, quando sabe que algum de nós está a passar por qualquer problema, aparece, intensifica o relacionamento, está livre e inteiro para a solidariedade. Um exemplo. Ontem à noite telefonou-me a dar notícia que tinha entrado em contacto com o Guilherme Parente, há muito perdido em Guimarães por causa dos problemas de saúde do filho; informou-me que entrou em contacto com o Carlos Soares (que eu lhe tinha dito estar a atravessar um momento menos bom), e forçou-o a fazer os exames que os médicos lhe aconselharam; marcou para quarta-feira uma visita ao lar onde se encontra a Teresa Magalhães e onde ele já esteve uma vez; vai marcar almoço com o Vergílio e nós outros, Guilherme incluído. Este homem não abandona ninguém e no entanto é ateu, embora perdido no seio de uma família de crentes. É a contradição em pessoa, mesmo ao nível filosófico marxista-leninista onde está no trono. Todo o seu estilo de vida foi combatido por Karl Marx e Lenine – os seus deuses.  

         - Fui esta manhã a Setúbal ouvir o meu velho amigo Carlos Barbosa, a dissertar sobre o seu trabalho à frente do ACP. O homem é hábil à moda dos políticos, dominou uma vasta plateia de velhos e saiu daquilo tudo incólume. Abraçámo-nos e eu ia a sair, quando ele vem para mim pedindo-me que ficasse na fotografia de família. Bom. Dali desci à Baixa da cidade, e fui fazer um passeio pedestre debaixo de chuva miudinha pela Luísa Todi. Que beleza de zona, que singular cidade cheia de cafés e restaurantes simpáticos, onde apetece ficar horas a sentir o marulhar manso das ruas e o rumor da chuva nas costas do nosso encantamento!

         - “Todas as câmaras do país estão falidas” – disse a dada altura o presidente do Automóvel Clube de Portugal. Se assim é, quem, que sector, instituto, academia, hospital ou escola tem saldo positivo? Duvido de algum. Num país onde toda a gente vive acima das suas posses, a começar pelo Estado, pedinchar não é problema e a pobreza até é alegre.