quarta-feira, março 08, 2023

Quarta, 8.

Sim, é incompreensível a argumentação da Igreja sobre o destino a dar aos sacerdotes pedófilos. O Patriarca de Lisboa diz que não os pode suspender nem demitir porque isso só o Papa Francisco o poderá fazer. Todavia, a Conferência Episcopal Portuguesa anunciou a retirada das comissões diocesanas de todos os membros do clero. Braga e Évora já cumpriram e afastaram os membros do clero da composição das respectivas comissões. Tudo isto para que as vítimas de abusos sexuais cometidos por membros da Igreja, se sintam mais confortáveis sem os atrozes por perto. Por outro lado, embora concorde que não basta denunciar, é preciso também que os casos cheguem a tribunal para que se apure da veracidade das confissões à Comissão que estudou os abusos e os endemoninhados sejam condenados. Agora que isto abalou a fé e a confiança do católico básico, abalou. A Igreja é um todo, no centro do qual está Deus. Daí que não possamos reduzir a comunidade religiosa a uma mera generalização. Não, não devemos. Há padres que são profundamente a imagem de Cristo e se entregam inteiros aos outros crentes ou não crentes. Depois, fraquezas todos temos e o pecado não é uma abstracção. Se assim fosse, Deus não teria passado pela hedionda dor de ver o seu Filho morto e crucificado na cruz. 

         - Apreciei a sensibilidade da minha médica de família, Dra. Verá Martins, com quem tinha encontro marcado amanhã e venho a saber que os clínicos dos Centros de Saúde estarão em greve quinta-feira. Ela mandou telefonar a desmarcar a consulta para que eu não faltasse ou tivesse problemas, “devido às greves dos comboios”. São pessoas deste quilate que não me fazem descrer do país governado nestes últimos sete anos por um homem que criou um gigantesco interregno. 

         - Os meus serões são a perfeição absoluta. Desligada a televisão depois das notícias, entro num mundo de paz habitado pelo silêncio mais absoluto que sobre a terra cai. As muralhas de livros, cercam-me de vozes que murmuram não só dramas, como clarões de luz. Acoitam-se em torno de mim, a manta sobre os joelhos, a lenha a crepitar na lareira, e segredam-me saberes antigos, comunicam-me sinais tangíveis, espécie de camaradagem quando os escutei nas longas horas de leituras que atravessaram os anos e me formaram naquilo que hoje sou. Dispenso tudo, menos estes buliçosos e serenos amigos, eternizados em páginas que formam catedrais onde de joelhos imploro mais uma centena de anos de vida na sua serena e divina companhia. 

         - Impressionantes manifestações ontem em França contra a reforma Macron que pretende elevá-la para 64 anos (actualmente é de 62). Nós só podemos pedir a reforma aos 66 anos. Vejam a diferença abissal! E no entanto, não há uma manifestação, um murro na mesa, um esgar, nada, absolutamente nada. Somos mansos como cordeiros amestrados. Malham-nos em cima e nós amochamos. Vivemos contentinhos com a vida, não passando de uns pobres desgraçados que gostam que lhes malhem em cima do dorso dobrado. Comparados com os franceses, não existimos enquanto povo vivo. Não é que esteja contra a reforma de Chouchou, mas inquieta-me esta apatia doentia que só acorda para as razões sem razão do futebol típica da nossa natureza.    

         - Acabo de chegar de uma visita ao lar onde se encontra a Teresa Magalhães. Que dizer quando muitos ou poucos anos de vida desaguam num mar de tristeza. Somos aquilo, a morte puxa-nos para o seu lado e só esperamos vencê-la quando, enfim, ficarmos frente a frente com Deus. Dito isto, Marcelo Rebelo de Sousa que lhe outorgou a Ordem do Infante D. Henrique, melhor seria que acompanhasse a condecoração com um qualquer subsídio que lhe permitisse uma velhice com dignidade.