quarta-feira, março 29, 2023

Quarta, 29.

Fui ver a Teresa Magalhães ao lar. Demorei-me uma meia hora a “conversar” com ela, a atentar activar o seu cérebro, fazendo conexões com este e aquele amigo, esta e aquela obra de arte e artista, mas o retorno foi a tristeza de a ver naquele estado outro onde não chego por nenhuma espécie de língua ou diálogo. É um mundo onde ela aportou quase de súbito, e aí ficou agrilhoada de pavores e decifrações incompreensíveis, fantasmas e alucinações. O sofrimento humaniza-nos, a morte liberta-nos. 

         - Os comboios andam a abarrotar de gente a marrar nos telemóveis, todas e todos vestidos com o mesmo uniforme, debitando as mesmas ideias, com os mesmos trejeitos, desenriquecendo a nossa identidade, padronizando comportamentos, ideias e formas de ver o mundo. São os soldados da turbamulta de alienados que os regimes autocratas apregoam. Belos de uma beleza uniformizada, espécie de eugenia dos tempos presentes, que respondem à chamada de George Orwell. 

         - Ontem, tendo entrado no metro com destino a casa, por alturas da estação Anjos ou Arroios, a carruagem cheia de imigrantes e turistas, rebentou uma série infinda de bufas de várias nacionalidades que, embora estivesse de máscara, não evitou o horroroso pivete que se instalou. Para fugir àquele decidido e convicto ataque dos que de cá não são, abandonei o transporte e esperei, desconfiado, pelo próximo – na última carruagem não vinda ninguém. Enfim, respirava-se! 

         - Por falar em máscara. Parece que a OMS já quase a dispensa, tendo em conta que o vírus chinês SARS-COV-2 desapareceu ou está menos agressivo. Pela minha parte, não entro em transportes públicos, hospitais, lares sem me proteger. Eu que recusei a derradeira vacina administrada com a da gripe – esta nunca a tomei na vida, aquela por achar que era capaz de a evitar tendo escapado até agora – nem por isso deixei de andar vigilante. Faço figura de resistente nos comboios onde anda tudo a monte e fé em Deus. 

         - A China e a Rússia parece que possuem drones equipados com inteligência artificial capazes de matar quem for calculado para morrer. Não hesitam em os utilizar, já a França recusa esse recurso bélico de destruição da vida humana, mesmo em caso de guerra defensiva. Mortes programadas não são para os países onde a dignidade humana e mais forte que os ódios dos ditadores. 

         - Entrei na livraria e deparei com mais um volume (Os Livros Históricos) de a Bíblia, traduzida do grego pelo nosso incansável trabalhador Frederico Lourenço. Comprei-o de imediato e quando regressei a casa, pus-me a apreciar o labor contínuo do exegeta de Coimbra. Logo que termine a autobiografia de Simone Veil (estou no fim), iniciarei a leitura que tanto me faltava e tanto tardou (o último volume saiu em 2019). 

         - Dia intenso. De manhã duas horas um pouco por todo o lado, à tarde outras tantas. Ainda por cima com manipulação de três máquinas: motosserra, roçadora e corta-relvas. Não sei como vou acordar amanhã, mas o que vejo mereceu o esforço. E estás feliz, homem de Deus? Mais ou menos. Faltou-me um simples encosto, uma horita no romance, um piscar de olho a Ana Boavida.