sexta-feira, novembro 26, 2021

Sexta, 26. 

Logo que regressei uma catrefa de problemas caseiros me esperavam. Nem tempo tive para percorrer a casa, respirar a serenidade que me pareceu mais densa, cumprimentar os meus amigos que nas estantes me aguardam com carinho, olhar os espaços limpos e perfumados pela Piedade com a ajuda da cunhada, sorver o cheiro da cera nos soalhos e tijoleiras, abrir as janelas e espreitar o campo adormecido ao sol de inverno, pôr os relógios em andamento, acender as lareiras, desfazer a mala e arrumar os novos livros, todos estes gestos habitualmente entusiasmantes, foram adiados para acudir ao essencial: pôr o carro a funcionar (ficou sem bateria), arranjar quem venha repor a água (houve uma ruptura à saída do balão), como me alimentar (não tinha nada no frigorifico).   

         - E o meu país como o encontrei eu? Igual a si mesmo, quero dizer, a brincar à justiça, à governação, à estabilidade, ao progresso, à economia e passo. 

         - Vejamos: o futebol continua a dirigir não só o país, mas sobretudo os portugueses. Os corruptos que o tomaram de assalto, têm uma qualidade que é também um defeito: fazer trabalhar os tribunais e seus agentes, mas estes encobrem na dobra das leis os criminosos. Assim que liguei a televisão, lá estavam os mesmos a jogar ao esconde-escondes : os Pinto da Costa, os Filipe Vieira, os Deco e por aí adiante. 

         - Alimentados pelos energúmenos e patetas que os endeusam. Uns e outros, tendo desembarcado em Lisboa para seguir fanaticamente os seus ídolos, semearam a desordem e o pânico no Bairro Alto. A polícia foi agredida pelas bestas inglesas, cadeiras, garrafas, e outras peças de restauração voaram, vários lisboetas feridos, a  noite foi coberta do clamor selvagem desta gente lôbrega.  

         - Morreram pelo menos 27 migrantes nas águas do Canal da Mancha. Calais está a transformar-se num memorial que condena em primeiro lugar os políticos, descreve a sua indiferença ante a tragédia ou antes as tragédias que ali acontecem, o número de mortos parece não ter fim. Todos lamentam hipocritamente estas mortes, mas no fundo é a indiferença que actua na retaguarda. Pergunto-me muitas vezes como seria uma guerra nesta altura, com os políticos actuais. Os nossos já esqueceram os seus concidadãos que passaram toda a sorte de perigos e privações durante a Segunda Grande Guerra e depois para fugir à fome, as noites de frio e medo, fome e mágoas pelas montanhas agrestes calcorreadas a pés descalços. 

         - Deixei Paris com 548 páginas lidas: 114 de Todo Es Nada e as restantes do Journal Intégral (vol. 2) de Julien Green. Nada mau, atendendo ao muito movimento durante o mês e meio de estadia em  França.