sábado, novembro 27, 2021

Sábado, 27.

Assim que cheguei precipitei-me para a Faculdade de Ciências a fim de me ser administrada a terceira dose da vacina contra a Covid-19. Mais uma vez serviço impecável, pessoal dedicado, ordem exemplar. Fui depois ao lado à CGD depositar o cheque que a casa a quem vendi a peça de ouro, em Paris, me passou. Esqueci-me que estava em Portugal onde a ganância não tem limites e surpreendi-me por ser informado que para ter a importância na conta (daqui a 20 dias!), teria de pagar 17 euros!! “É normal” diz a funcionária. “Hoje – respondo eu – porque antes não era.” De seguida fiz o trajecto até ao Rossio a pé, como se os quilómetros percorridos em Paris não me pesassem nas pernas, passando pelas ruas do meu passado quotidiano, hoje uma tristeza novo-rico de asco e enfado. Muitos dos restaurantes e casas comerciais fecharam e revividos exibem na lapela da porta nomes estrangeirados que são autênticos atentados à nossa língua, empobrecida pelo alfabetismo primário, que conta apenas para os números porque a bandeira nacional é a TAP. A Pavilhão Chinês não o vi, em frente o Faz Figura está ainda a funcionar, mais adiante o Solar dos Vinhos desapareceu, os antiquários tradicionais naquela artéria também. O que se instalou concorre para a nossa desgraçada, somos comerciantes necessitados de pouco saber e muita gula pelo dinheiro fácil na mão. Descendo o Chiado, hoje uma recordação do passado, onde o turismo de massa se pavoneia como se fosse senhor de tudo, olho-o empobrecido, oferecendo a imagem de país subdesenvolvido e pacóvio, como acontecia no séc. XIX, de braços abertos a tudo o que é estrangeiro e cuida ser esse o rumo para o desenvolvimento económico e cultural. 

         - Aquela da mãozinha marota do Francis outro dia na Comédie Française, foi puro engano. Só esta manhã ao telefone soube, quando ele me explica que é assim que as coisas começam no camarote com o petit oiseau...

         - Estou à espera da Marília e do João acompanhados da Carmo Pólvora convidados para uma raclette. Deviam ter chegado às 13,20, mas mais uma vez a taralhouca da Carmo trocou-lhes as voltas. Devem chegar - se chegarem - pelas 14,20. Eu, entretanto, perdido de fome, ataquei no combustível. 

         - Tenho a casa bem aquecida não vão os convidados já com alguns anos em cima derrapar numa gripe. Lá fora corre um vento frio, desalmado. Todo o conforto do inverno se fechou aqui dentro com as memórias de outros invernos mais a ternura do presente em diálogo.