quinta-feira, novembro 04, 2021

Quinta, 4. 

Alinho estas linhas no Cygne, o meu café preferido em Cambrai, onde acabei de chegar após hora e meia de viagem. O interior está modificado, mas a clientela é a mesma: velhos desocupados e divertidos, dizeres cómicos por todo o lado e um ambiente solto de preconceitos. Vim para ver o Alexis que perto de Amiens encontrou rapariga com uma filha do primeiro casamento, nada que preocupe o meu amigo. Bom. Do que queria falar todavia, era ainda dos irmãos Norozov e de Chtchoukine, industrial como eles uns dez anos mais velho. A consciência social desta gente leva-me a curvar-me ante pessoas que fizeram fortuna e a devolveram à comunidade através da paixão que os obcecou, mas não foi suficiente para deter a barbaridade de Lenine e depois de Estaline. Um e outro olharam a arte sob ângulos não totalmente dissemelhantes e contudo impregnados da ideologia extremista que só tem em conta o olhar fixado no líder que tudo decide e controla. Enquanto estes industriais da seda abriam as portas das suas casas à visita do povo interessado na modernidade que vinha de França e até nos artistas russos que os havia de muito boa qualidade, Estaline ordena que todas as colecções de uns e outro, sejam banidas do olhar do povo russo. Do bolchevismo ao estalinismo, a censura impregnada do ódio contra a diferença, do que nascia da liberdade individual e crescia de olhos postos no futuro, era húmus do capitalismo aburguesado. O povo devia entender, amar e conhecer apenas aquilo que dimanava dos seus cérebros brilhantes, do seu poder absoluto e da sua directriz política. Assim, em Março de 1948, Josepf Estalin, assina um despacho deplorando “as obras de arte burguesas ocidentais, nuas de idealismo, anti-populares, formalistas, sem qualquer valor educativo do interesse do povo soviético”. Pois, caro leitor, é por memória dessas obras notáveis que aqui deixo alguns exemplares, feliz por as ter admirado, numa tarde cinzenta de Paris, na companhia de uma autêntica multidão, que apesar do perigo de contágio por coronavírus, ousou irmanar-se com os artistas e seus mecenas.  

La Ronde des prisonniers de Vincent van Gogh, traduz o martírio do artista enclausurado em Saint-Rémy, num asilo psiquiátrico. É dos trabalhos do genial pintor aquele que me comove e causou arrepios quando me retive por muito tempo a estudá-lo. 

Assim esta escultura de Camille Claudel, L´Imploration, a minha artista querida, durante muito tempo na sombra, e decerto ela própria em vida se anulou em favor do amor que nutria pelo homem extraordinário que foi Rodin. Mesmo que eu identifique os traços do Mestre, há muito dela nesta escultura cheia de força e beleza.