segunda-feira, novembro 22, 2021

Segunda, 22. 

Almoçámos em casa da Françoise como é hábito quando estou por cá. Achei-a um pouco desmoralizada consequência da doença que lhe foi diagnosticada há ano e meio. A velhice é sempre triste com ou sem dinheiro. De súbito tudo se altera sem que se faça por isso, como se os anos finais se vingassem e reivindicassem todos os direitos que o tempo da juventude lhes arrebatou.   

         - A Françoise ficou perturbada quando lhe disse que tenho um convite para ir com o Francis à Comédie Française ver a peça La Cerisaie de Tchekhov. Pior ficou quando a informei que o meu amigo possui um pequeno camarote cativo ao ano, gratuito, devido aos bons serviços que prestou à Cultura. A ideia que vou formando é esta: a instituição criada pelo cardeal Richelieu não é acessível ao comum dos mortais. É uma empresa como outra qualquer, inacessível e cara, utilizada pelas grandes empresas que compram centenas de bilhetes para oferecer aos seus clientes e, portanto, o teatro depende delas. O público espera (quando consegue) meses por um lugar. 

         - A noite descia quando atravessámos a cidade. Paris era banhada pelo manto cinza do céu e a chuva caía docemente numa murmuração, os derradeiros reflexos de luz espreitavam ao longe por entre os prédios, o Sena corria num silêncio majestático e profundo, a suas catedrais brilhavam no esplendor do fim de tarde, naquele fio translúcido do tempo aonde chegam os dias exaustos. Fixar este instante de beleza e mistério, retê-lo como quem abraça um tesouro e o guarda no tabernáculo da memória.