sexta-feira, agosto 13, 2021

Sexta, 13. 

Os fogos que por cá matavam e reduziam a nada casas e florestas em anos anteriores, abrem hoje os jornais televisivos com os desastres ocorridos por essa Europa fora. Na Grécia o fogo teima em não deixar os arredores da capital; em Itália lança o terror com o termómetro a tocar os 50 graus centígrados; nos Estados Unidos está sem controlo, com temperaturas acima de 40 graus. Tudo isto, dizem os entendidos, deve-se ao aquecimento terrestre. Há que tomar acções draconianas para travar tanta insanidade, repetem. Mas eu só vejo atacar o consumo, deixando à solta as multinacionais que produzem e obrigam com campanhas a consumir cada vez mais e mais. Não observo travagem dos desfiles de moda, das corridas de automóveis, dos jogos de futebol que deviam passar para de dia, evitando assim milhões de quilowatts gastos que davam para alimentar a capital; como não vejo os senhores deputados, os condecorados militares a dispensar o carro de Estado; os directores das multinacionais, dos bancos, presidentes de câmara que saem de casa para o trabalho resguardados em limusinas que consomem mais que o transporte público e assim. O exemplo devia vir de cima. As meninas do BE, propagandistas do planeta, juro que nunca as vi no metro ou no autocarro. Enganem quem quiserem, a mim é que não.        

         - Consegui recolher um quilo de amoras para compota. Foram dezenas de picadas, horas a apanhar uma a uma, sob sol tórrido, na companhia do gato que não me larga, a pensar na Annie e no Robert que decerto por esta altura correm os muros de urtigas que ladeiam casas e caminhos por toda a Bretanha, mais propriamente Quiberon e seus arredores. A minha segunda profissão é compoteiro, mas nunca experimentei fazer este fruto delicioso, carregado de vitamina C, sais minerais, ferro e antioxidantes. A ver vamos como resulta. 

         - Ontem parecia que andava drogado. A quantidade de coisas que fiz até à hora de fazer meia hora de natação! Só a limpeza da vinha virgem que havia invadido o telhado da casa das máquinas, ocupou-me várias horas, para não falar nas regas, no carrego de entulho para queimar, ida às mercas, à inspecção do carro a Vila Nogueira de Azeitão e basta. Podia ter sido um dia feliz, mas faltou-lhe o essencial: dois minutos de escrita no romance. Não peço muito aos deuses – apenas um olhar contemplativo sobre as páginas do meu bem amado por quem afugento a morte e me entrego inteiro à vida. 

         - Hoje pus-me a pé pelas seis da manhã. Tinha de estar no Rato antes das nove e o sono foi por isso agitado. Despachado do que lá me levou, desci ao Chiado para dois dedos de conversa com o Vergílio, Carmo e a protectora do meu querido escultor. Fazia calor, os termómetros deviam andar pelos trinta e tal, mas ali, com a multidão de estrangeiros veraneando, uma ligeira aragem roçando a esplanada, era como se o céu nos banhasse da luz que brilha sem entontecer. Prometeram-nos para hoje o inferno, mas saiu-nos o paraíso. Mas se pensar na turba lisboeta que me telefonou, diria que andei entre as chamas do desassossego. Há dias que não ouço o telemóvel, hoje não parou. Ora nem Éden nem Averno, o paraíso apraz-me.