segunda-feira, agosto 16, 2021

Segunda, 16.

A saúde mental da população, de nós todos, está muito alterada. Volta que não volta, assisto a cenas macacas nos transportes públicos. Ou porque uma gorda empurrou uma magra: ou uma preta chamou racista a um branco; ou um coxo foi impedido de ocupar o lugar que a lei lhe confere; ou um diabético exigiu um banco para não desfalecer; ou um corcunda empurrou um grupo para passar; ou um careca foi gozado por um rapaz sardento, mas cheio de cabelo; ou um grupo de africanas falando tão alto como se estivessem no pátio da suas casas e um passageiro idoso pediu falassem mais baixo e elas responderam que ele não mandava nelas; ou um cardíaco que entrou ofegante e não houve vivalma que lhe desse lugar; ou um maneta com bengala na única mão, depois de ter revirado os olhos em busca de um sítio para aonde se atirar caiu redondo no chão; ou aquele rapazola, vidrado no telemóvel, não tendo dado pela estação, dispara à última hora para a saída deixando para trás um grupo de passageiros blasfemando; ou aquele ciclista, todo pimpão, que entra com o último modelo do brinquedo e afasta à rodada os passageiros que estão ao monte na plataforma; ou aquele cadavérico que tira a máscara para tossir como se fosse a coisa mais natural; ou aquele casal de anciãos, trôpego, muito agarrado um ao outro, a ternura derramando do olhar que se apoia mutuamente, e a quem ninguém oferece um banco; ou aquela negra, de largas ancas, exaurindo um cheiro que afasta os mosquitos humanos para longe; ou homem branco, rude, visivelmente pedreiro, cheio de tintas e colas nos braços, que as pessoas evitam e ainda por cima ele está colocado à entrada; ou aquela discussão acesa sobre política entre dois homens de meia-idade que quase acabava à bofetada, enfim, para quê tanto drama, tanto rumor,  se nos igualamos todos no final desta caminhada, unidos numa mesma condição – a de mortais. A morte não reconhece diferenças.  

         - A Brasileira a que eu cada vez tenho ido menos, porque o número de estrangeiros negacionistas e sem máscara é quase toda a clientela que ali vai, não respeita o espaço entre mesas e o que importa é facturar, deixou para mim de ter os atractivos de outros tempos. Esta manhã, três brasileiras que falavam - força de expressão - gritavam, coladas a mim, sem máscara descompuseram-me e investi sobre elas lembrando-lhes que em Portugal é obrigatório o seu uso. Logo surgiu o Igor dando-lhes razão, porque estavam a consumir e ao ar livre. A lei deve ser isto que diz. Ou antes as leis no nosso pobre país, ajeitam-se a todos e a todas as circunstâncias, são feitas para o sim como para o não, e assim vão servindo sobretudo aos advogados que são eles que as redigem sem terem sido eleitos. Mesmo que aquelas três obtusas já tivessem engolido a sandes, podiam sempre invocar que estavam a consumir e, portanto, as horas que ali permaneciam abancadas a ver quem passa e a discutir balelas, não as obrigam a proteger-se e a proteger os outros. Então, caro leitor, quando tal lhe acontecer, faça como eu fiz: quem se sente a mais, desanda. (O texto continua, mas eu suspendo-o para os leitores virtuais aqui. Como, de resto, muitas vezes acontece.)