quinta-feira, agosto 19, 2021

Quinta, 19.

Encontrei-me com o João B. no Chiado. Grande conversa em torno do momento actual e da sua vida que teve uma reviravolta depois do falecimento da mãe. Deixou de escrever e daí nunca mais ter lido artigos seus no jornal que foi a sua tribuna durante anos. Confessou-me que se sente muito só e que apenas encontra refúgio na leitura. E que leitura? Conhecendo-o há anos, posso garantir que será a mais hermética que imaginar se possa. Digo-lhe isso e ele sorri exibindo, enfim, um rosto infantil como a dizer-me “que queres, sou como sou”. Convidei-o para me visitar em Palmela o que ele prometeu fazer, sabendo eu de antemão que nunca o fará, prisioneiro da depressão em que se encontra. 

         - Isto não se passa só com ele. Muitos amigos desafiei a aparecer, mas eles nunca vieram. Os tempos são de ostracismo, de hesitação, de medos e apatia. A pandemia deu a volta às vidas das pessoas e parece que conseguiu uma espécie de desaprendizagem da felicidade e do prazer. Talvez já não seja o medo que nos manieta, mas uma comodidade mórbida que se instalou, algo parecido com o egoísmo compassivo que começa em cada um de nós e estende-se ao outro. Somos o espelho que se revê nas sombras do outro. Tal como nos encontramos, entregamo-nos aos fazedores de desgraças, à morbidez da janela que entra em nossa casa soprando mentiras, promessas vãs, números e percentagens preparados para nos quebrar o ímpeto de liberdade. Deixámos de ser críticos, confinámos os nossos interesses ao ecrã que não nos deixa pensar, mas simplesmente aceitar o que outros preparam para nós. Olhamos, mas não vemos; ouvimos, mas não apreendemos; cada notícia é uma página do jornal que renunciámos a  ler. Estamos em lado nenhum, vivemos com a morte debaixo dos olhos, uma morte anunciada pelo desânimo, as funções cognitivas apuradas nas teias do desespero. Alguns ainda se agarram ao quotidiano de antes das trevas, querem pendurar-se nele para reinventar outra forma de existência onde tudo o que foi do passado volte temperado com aditivos ajustados às carências de cada um. Como em todas as guerras, há sempre os falsos deuses, sábios, humanoides que nos preparam uma existência desobrigada da vontade, força e acção, enfim, passados ao estádio  de assombrações.  

         - Cheguei, despi-me e mergulhei numa sopa morna que pouco me espevitou os nervos. Encontrei na caixa do correio a conta da EDP chinesa e, para meu contentamento, tenho para pagar apenas 49 yuanes. Esperava uma soma calada, tendo em conta o que costumo despender no verão por causa das regas e piscina. Exemplo, o ano passado neste mês 100 yuanes. Esta redução não é nenhum bónus chinês, antes a ajuda do robô que me permite reduzir o número de horas de tratamento da água, manter esta sempre limpa e gastar menos produtos. E quero sacudir do meu cérebro os 439 yuanes que a avaria do motor levou para Pequim. 

         - Céu-aberto pleno de um azul intenso. Calor q.b.. Não estou em nenhuma galáxia do nirvana, vagueio no mar imenso do tempo silenciado algures numa plataforma imaginária.