terça-feira, abril 27, 2021

Terça, 27.

Numa espécie de frenesi, li de uma assentada as primeiras cem páginas de Alegria. Manuel Vilas mantém o mesmo registo autobiográfico, misturando o passado e o presente, tudo articulado num intrépido esforço de impregnar de filosofia e poesia as suas páginas. É a sua marca, a sua beleza, a sua arte. Que me diz imenso, com quem sem esforço me identifico e partilho o modo de estar e aceitar a vida. Ele e Cioran comungam de uma sorte de desafio lúcido, implacáveis com a morte, sem esperar pelo fim para concluir como Filipe II quando chamou o filho e lhe diz: "Voilà où finit tout, et la monarchie.” Contudo, a Manuel Vilas, interessa-lhe o presente onde a solidão irmã da morte faz parte de cada segundo.  “Construímos a ilusão do acompanhamento. Fizemo-lo através da invenção da família, da invenção do amor, da amizade, dos vínculos incondicionais, e essa ilusão funciona bem até a idade decantar uma sensação nova: a sensação de que morreremos sozinhos, pois todos morremos sozinhos. Sozinhos estão os mares, as montanhas, as estrelas e as árvores, assim é o meu sentido da solidão: uma exaltação maravilhosa do mistério de estar aqui, na vida e na Terra.” 

         - Volta que não volta, amigos dizem-me: “Estás muito magro.” Outro dia o Simão, depois o João. De todas as vezes assusto-me e vou ter com a balança que me remete o peso do costume: 64kg. 

         - Vou, enfim, voltar à antiga vida. Apliquei-me na busca de alguém que viesse repor os canais que me alimentam a curiosidade intelectual, instruem-me, e mesmo quando me divertem, ensinam-me. Por isso, adeus porcaria portuguesa onde só entrarei acidentalmente para ver um ou outro programa; noticiários vão ser passados na TV5Monde, France 24 ou BBC. Para o resto basta-me o Público. Era assim que fazia no pico da pandemia e dei-me muito bem com o esquema. A minha sanidade mental agradeceu.