quarta-feira, abril 28, 2021

Quarta, 28.

Agir. Houve um tempo em que nos encontrávamos no Príncipe. Eu não o conheço, digamos, pessoalmente, mas sempre que o via piscava-lhe o olho. Ele ria-se, eu idem e a vida seguia. O que me atrai nele é o seu aspecto fora do tempo, onde desaguam primitivos povos de vários continentes, encrustados na sua natureza europeia, infelizmente portuguesa, que o obriga a dar nas vistas, contra sua vontade, e é olhado pela burguesia sem cheta nem consciência do outro, diferente da ralé arrastada no padrão nacional do conformismo. O homem é secreto, discreto, sim, discreto, ensimesmado numa auréola familiar onde a arte impera e o arrasto talentoso também.  Tudo nele respira, vive e resfolega música. Há nele um talento, uma harmonia que salta da pauta musical para se espalhar em beleza e alegria, na combinação dos naipes musicais, nos arranjos do som e das notas que nos invadem o cérebro, acariciam o coração e transformam-nos em seres etéreos, sublimemente transcendentes, transmovidos para outra galáxia onde só ele é rei e senhor. Pelo menos foi isto que eu experienciei ao ver, arrepiado, o concerto que Agir deu no Cineteatro Capitólio. O objectivo foi recriar Abril revisitando as canções e os excelentes exegetas de então, entre eles o seu próprio pai, Paulo de Carvalho. Não é por acaso que digo “exegetas”. Na verdade o espectáculo, sob a batuta e arranjos e orquestrações de Agir, da sua interpretação, da forma como esteve em palco, da engenharia das luzes, das dezenas de músicos, dos muitos instrumentos onde não faltou um naipe de violinos, toda a encenação de uma simplicidade sábia, de um estalar de dedos, de uma vénia,  de uma sublimação, na simplicidade e naturalidade da maravilhosa voz do interprete e das duas acompanhantes, toda aquela mise en scene teve a dignidade, a reverência, a intimidade de uma missa solene. Agir celebrou Abril sem nunca se referir a ele, sem demagogia, centrado na arte enquanto expressão dos sentimentos humanos e, às vezes, políticos. Mas a política só acredita nela quem quer, ao passo que a Arte interpela o que há de mais profundo na natureza humana. Agir, a próxima vez que te veja no Príncipe, dou-te uma milonga que se projete para além da eternidade... 

         - Apesar, sendo quarta-feira e haver no TV5Monde um programa que não perco nunca, Des racines et des ailes, vou dar a preferência à RTP1 e prosseguir a narrativa de Vento Norte. É bem feito, de uma maneira geral há boas interpretações, a época foi bem estudada, os meninos das telenovelas com aqueles físicos de saldo, saídos das maternidades de actores e actrizes em série, mal pagos e ainda por cima com o frete de terem que passar uma qualquer vez por baixo ou por cima de alguém, estão excluídos; porque ali o trabalho é documentado, historicamente estudado e a estação quando quer ou lhe dão dinheiro até sabe fazer bem. Vou aprender a gravar o francês, mas o que não perco é o português. Enfim, por uma vez... 

         - Não saí daqui. O tempo também não convidou, céu negro, ameaça de chuva, frio, desconforto. Aproveitando o facto, estive uma hora a devastar o caramanchão junto à piscina onde gostava de instalar um banco de jardim. É um sonho que alimento há anos, mas o raio do dinheiro nunca chega. Isso, não obsta a que no verão me imagine deitado sob a sua ramagem, um livro nas mãos, uma aragem fresca, um soninho leve, um mergulho entremeado. É uma espécie de rêve dans le rêve