terça-feira, abril 13, 2021

Terça, 13.

Um em cada cinco portugueses é pobre. Uma vergonha que devia paralisar toda a esquerda. Porquê a esquerda? Porque ela prometeu se um dia derrubasse o sistema salazarista e marcelista e a vida alienante de então, erradicaria as desigualdades e daria à vida uma dimensão mais humana e digna. Falhou em tudo. Resta a liberdade, mas até essa vai faltando em favor dos corruptos, dos gananciosos e dos políticos trapalhões e oportunistas. A democracia toca já a finados. 

         - Vem esta observação a propósito do estudo feito pela Fundação Francisco Manuel dos Santos agora publicado sobre a pobreza em Portugal. Nele se diz que 32,9% são trabalhadores, um terço do total de pobres encolheu, pelas minhas contas, em dezasseis anos, de 20,4 para 16,2. Foi bom, dir-me-á um político perverso. Um ser humano que saia da pobreza extrema, é sempre um aliviar de tristeza do conjunto nacional. Agora, o que há repugnante, é que esta gente é pobre trabalhando. Portanto, são os novos escravos da era moderna. E para haver tanto trabalhador pobre, é porque a diferença entre eles e os ricos não cessa de se acentuar. Os que detêm a riqueza, chutam caritativamente para baixo as migalhas que lhe pesam na consciência; daí haver tanta associação disto e daquilo, tanto lar-prisão, tanta pobreza solitária e envergonhada. Esta desumanidade, passa-se diante de uma classe política e empresarial que a democracia ligada à UE desenvolveu, criando uma rede criminosa de interesses político-partidários, que nunca esteve interessada em encurtar e muito menos em a eliminar. A este quadro vergonhoso, já nem os licenciados escapam. Pelo menos 5% de indivíduos em 2016 estava na pobreza. Deste número impressionante de pobres, 98,7% vive de pensões miseráveis e passo sobre os desempregados que não cessam de aumentar situando-se na altura do estudo em 13%, muitos deles em desemprego desde a crise de 2008-2014.  

         - A trajetória da nossa vida democrática devia ser interrogada. Não há sistemas políticos sem pessoas. Mas quando observamos a organização social e política nos países nórdicos, por exemplo, verificamos que as diferenças são abissais porque é no respeito entre governantes e governados que assenta a dignidade de cada um e se exerce em consonância a democracia. Entre nós a força dos partidos é absurda. Bem sei que são indispensáveis ao exercício da democracia, mas impõem uma abrangência ideológica que abarca em si toda a vida política, montados numa luta constante “quem não é por mim é contra mim”. Estamos hoje em Portugal, como esteve uma parte da Europa no séc. XIX, quando o comunismo deu os primeiros passos anunciando a desaparição da ilegalidade revoltante da riqueza extrema a par da extrema pobreza. Por volta de 1840 Paris fervia de bajuladores do socialismo nunca exercido. Depois, veio o séc. XX que o testou e o resultado foi o desaparecimento do ser humano com identidade própria e indivisível; os indivíduos postos ao serviço do Estado; as experiências com o seu sudário de crimes na guerra Espanhola de 1936, para dar lugar a uma fantasia – o poder do proletariado. O desastre que se seguiu todos conhecemos. Hoje o comunismo carrega um enorme caixão de horrores, de milhões mortos, de campos de concentração, de “gulags”, de guerras bárbaras. Em parte alguma vingou sem que o povo fosse agrilhoado, governado por uma classe dirigente corrupta, inchada de luxo e mordomias, a economia paralisada e os direitos humanos espezinhados. O comunismo é inimigo da democracia e persiste na mente de certos românticos como um objectivo a alcançar, uma vez que segundo Marx devemos caminhar para um estado de perfeição. Por outras palavras, para algo que nunca poderá ser alcançado. Porque para que as ideias do século XVIII do Iluminismo francês, com a sua carga romântica de que a História é móvel e tende a subir em vez de descer, que decerto modo foram retomadas por Karl Marx, para que tudo isto se junte numa fórmula revolucionária, é indispensável mudar o homem. Pô-lo de fora de uma causa que deveria partir dele, é consentir numa qualquer forma de ditadura do proletariado ou outra. Percebo que a filosofia marxista deva ser estudada à luz de uma possível aplicação, mas sempre sem rejeitar a democracia parlamentar e, sobretudo, sem afastar o indivíduo da sua liberdade individual. Todos os socialistas e comunistas que conheço, salvo raríssimas excepções, são poços de contradições e desconhecimento da realidade. Muitos não passam de puros oportunistas. Portugal, quarenta anos depois da instalação da democracia, continua a sofrer da supremacia de um campo que os portugueses nunca sufragaram e julgo nunca o farão. Pelo menos nas gerações mais próximas. 

         - Escrevo estas linhas na esplanada do café ao lado da oficina que arranja o elevador do vidro que se afundou na porta do condutor. Nunca aqui estive e o que observo, em sucessivas camadas de clientes, é um mundo de gente de escuro vestida, falando um português para mim incompreensível, talvez já tocados do vinho a esta hora da manhã, que se esquece de si num murmúrio quedo no adiantado das horas. São na maioria homens sós, que fumam cigarros atrás de cigarros, encardidos de rosto, expressões paradas no fundo de abismos que guardam histórias permanentemente recordadas e logo olvidadas. O tempo acordou pesado, tendo chuviscado durante a noite, o desconforto deste café está em linha com a tristeza da clientela e do dia. Há uma napa de pobreza em cada corpo, na decoração da esplanada, no próprio ar que se respira impregnado dos vírus da indigência. Aqui toda a gente berra, porque todos são surdos e para se imporem mesclam nas cordas vocais o arrumo da existência. O ar é consecutivamente atravessado por perguntas que se perdem na viagem entre mesas, ficando sem resposta nem vaticínio, como se o que questiona falasse a si próprio do fundo de um tempo ido... (interrompido pelo mecânico informando que o carro ficou pronto). 

         - Junte-se aos milhares que reclamam justiça  petição que ainda circula.