quinta-feira, abril 22, 2021

Quinta, 22.

É um despautério tomar os dias no fio tenso das obrigações. Ausente deste registo por cansaço, por medir a temperatura do tempo presente e vê-la crescer por sobre a sorte de milhões de pessoas entregues ao espectáculo do sofrimento e da propaganda mais desonesta e descarada. Já tínhamos os políticos, os comentadores, os jornalistas-funcionários, veio agora juntar-se os cientistas sabichões. Não quero encher estas páginas dessa turbamulta, do seu patuá mal alinhavado, do seu português de caserna, circunscrito a umas quantas palavras porque o seu dicionário oral é limitadíssimo. O chefe deles todos, de vez em quando, atira com uma palavra cheia, redonda, mas infeliz, para fazer figura: “berbicacho” . Vou chamar o meu amigo António Guerreiro, que há dias na sua coluna semanal no Público, a ela se referiu e ao seu autor. “(...) vem alguém que tem uma relação desastrosa com as palavras e a quem nunca ouvimos uma frase que tivesse elaboração merecedora de aplauso. Há sempre um momento na relação dos cidadãos com os seus governantes, em que se solta uma queixa radical que é sinal de que há uma separação irreversível. “Não posso mais ouvi-los.” António Costa, sejamos justos, não é desde sempre um político que dê prazer ouvir. (...) A palavra “berbicacho”pode fazer alguma coisa pelas suas debilidades discursivas, mas é preciso mais um esforço...”

         - Estive já algumas vezes no Corte Inglês e na livraria. Outro dia, o livreiro que me costuma atender, dizia-me que o best-seller de José Sócrates é um falhanço – não há quem lhe pegue. Adiantei: “Engana-se. Aqui e em todas as livrarias não vai ficar um só exemplar – ele encarregar-se-á de comprar toda a edição.”Saúdo os tipos honestos, que felizmente ainda os há. Por exemplo, José Luís Peixoto e o homem do café Mestre Rui Nabeiro. Só por isso, aconselho a leitura de Almoço de Domingo. Eu encontrei-me com o simpático gestor duas vezes: uma na companhia do Rocha Pinto e outra em Badajoz no restaurante em frente ao Corte Inglês. Estão os dois encontros narrados a páginas distantes desta.  

         - O Inverno arrependeu-se e voltou a instalar-se empurrando a brilhante Primavera. Toda a semana chuva e frio. Apesar disso, levo os dias ocupados em serviços de jardinagem e quase nada a alinhar palavras ou a ler, farto, farto. Tomemos a jornada de hoje. Cedo fui ao Auchan, em Setúbal, de seguida andei a aparar relva no espaço em frente ao salão, intervalando para fazer o IRS (à primeira, bravo rapaz!), tratar da correspondência, improvisar o almoço, dormir dez minutos, voltar ao corte do relvado desta vez em torno da piscina e... basta! Praticamente de confinados, já pouco falo ao telefone, tendo-me encontrado na Brasileira com os habitués. Ontem com a Gi que me contou que a mãe está no S. João por ter caído e desarticulado um ombro. É assim, com quedas, que todos nos despedimos. Terminei a semana passada as 500 páginas do livro de Paul Bowles A Casa da Aranha e engatei La petite Fadette de George Sand. Oportunamente falarei dele. E cala-te agora!