Domingo, 24.
Quando dirigi a Esfera – e fi-lo durante
31 anos! -, cada vez que perdia um cliente, afundava-me num desespero
impressionante e por três ou quatro dias sentia-me desfeito, morto. Tinha sobre
os meus ombros o peso dos ordenados no fim da cada mês, dos impostos, de toda a
carga emocional que uma tal actividade (no caso a publicidade) comporta.
Contudo, ao fim desse tempo, ia arranjar energias não sei como e enfrentava com
denodo a vida profissional, com os seus desafios, incertezas, cansaços e
renovado entusiasmo. A seguir a esses monstruosos desaires, chegava um tempo
criativo, empolgante, que não me deixava parar em busca de novas contas que
amortizassem a saída daquele cliente.
Curiosamente, com os editores, passa-se a mesma coisa. Cada um que me
fecha a porta desmaio, esmoreço, apetece-me desistir. Três ou quatro noites mal
dormidas, uma tristeza infinita a cadenciar as horas, e depois, pouco a pouco,
cresce dentro de mim em avalanche a motivação, a crença na minha arte, nos
valores que defendo, na voz que imprime cada frase e a faz diferente do uivo árido
que por aí campeia, e sento-me à mesa de trabalho banhado da força e do ânimo
que o artista não pode de maneira nenhuma perder e desafio a imaginação, as
palavras, as emoções e os nervos para a celebração divina da escrita
quotidiana. Felizmente já não procuro um novo cliente, mas um simples e honesto
Editor.
- Muito do que sou e vivi, encontra-se espalhado pelos livros da minha
biblioteca. No seu interior depara-se a factura do restaurante, a entrada no
museu, o bilhete de avião, para além das notas de rodapé, dos sublinhados e das
datas de leitura. São duas histórias que merecem ser lidas – a dos autores e a
do leitor.