domingo, fevereiro 24, 2019

Domingo, 24.
Quando dirigi a Esfera – e fi-lo durante 31 anos! -, cada vez que perdia um cliente, afundava-me num desespero impressionante e por três ou quatro dias sentia-me desfeito, morto. Tinha sobre os meus ombros o peso dos ordenados no fim da cada mês, dos impostos, de toda a carga emocional que uma tal actividade (no caso a publicidade) comporta. Contudo, ao fim desse tempo, ia arranjar energias não sei como e enfrentava com denodo a vida profissional, com os seus desafios, incertezas, cansaços e renovado entusiasmo. A seguir a esses monstruosos desaires, chegava um tempo criativo, empolgante, que não me deixava parar em busca de novas contas que amortizassem a saída daquele cliente.
        
         Curiosamente, com os editores, passa-se a mesma coisa. Cada um que me fecha a porta desmaio, esmoreço, apetece-me desistir. Três ou quatro noites mal dormidas, uma tristeza infinita a cadenciar as horas, e depois, pouco a pouco, cresce dentro de mim em avalanche a motivação, a crença na minha arte, nos valores que defendo, na voz que imprime cada frase e a faz diferente do uivo árido que por aí campeia, e sento-me à mesa de trabalho banhado da força e do ânimo que o artista não pode de maneira nenhuma perder e desafio a imaginação, as palavras, as emoções e os nervos para a celebração divina da escrita quotidiana. Felizmente já não procuro um novo cliente, mas um simples e honesto Editor.


         - Muito do que sou e vivi, encontra-se espalhado pelos livros da minha biblioteca. No seu interior depara-se a factura do restaurante, a entrada no museu, o bilhete de avião, para além das notas de rodapé, dos sublinhados e das datas de leitura. São duas histórias que merecem ser lidas – a dos autores e a do leitor.