Quinta, 27.
Sábado
passado, quando abandonámos o Panteão Nacional, Carlos disse que estava cansado
e abancou no murete que cerca o edifício dos mortos do antes e os de agora, democraticamente
agregados na glória de Deus Pai e da santíssima democracia. Já lá está um sarcófago
para Cristiano Ronaldo. Bem fez a família de José Afonso que recusou plantar o
corpo do ilustre cantor naquele monte de pedras, não fosse ele levar com uma
bolada de Eusébio ou um penálti de Ronaldo. Bom. Eu disse ao meu amigo: “Eu é
que sou coxinho, coitadinho, e tu é que estás cansado!” Um casal que estava
perto, desatou num riso perdido. Eu lembrei-me de uma cena idêntica, passada
com o Simão. Estando nós em Nápoles, arrastei-o em visita a Pompeia. Ao longo
do trajecto (reconheço que aquilo é difícil) eu tinha de puxar por ele, eu que caminho
em original traqueladanças...
- Nestes dias de inverno ensolarado,
meti mãos à terra. No jardim limpei o escalracho, depois fui replantar (é a
segunda vez) pés de falsa vinha que os técnicos chamam Parthenocissus tricuspidata ao longo da rede do caminho público. A
ver vamos se é desta que a bela trepadeira... trepa. Junto ao portão fiz
limpeza de bolota e erva daninha. Surripiando uma hora às minhas habituais duas de leitura, de roçadora em punho, ataquei depois do almoço a erva ruim que cresceu na minha
ausência em frente da casa. Estou que não posso – tenho para uns dias.
- O país do Mágico é uma festa. Os
trabalhadores andam contentes, felizes por viverem num rectângulo que lhes paga
bem, próspero, seguro onde o sol abraça cada um e todos por igual. Nestes
últimos tempos, porém, andam numa de birra, batem o pé, dá-lhes a moenga,
recusam trabalhar. Não há praticamente sector nenhum que ande com vontade de
vergar o físico. Por alto: Registos e Notariado, funcionários do fisco, CP,
supermercados, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Juízes, os habitués enfermeiros,
não sei se ainda os professores, etc. Que me lembre, nunca houve tanta greve e
tantos grevistas. Que país maravilhoso! Dá mesmo vontade e orgulho em ser
português!
- Tempo moche. Um grande sono mantém esta mancha vegetal agasalhada e
adormecida. Quase não se ouvem os pássaros, apenas os gatos tecem a ladainha do
desejo, desafiando o Black a ir ao encontro dos vadios desvairados de cio. Aqui
e ali uma lagartixa assoma do interior da terra, e no bulício profundo de um
mundo secreto, estende a mãe-natureza o seu manto diáfano todo tecido de orvalhos
sobrepostos. Um silêncio, um enorme silêncio, desce das alturas tornando o imperceptível
bulício num desafio à ressurreição.