quinta-feira, dezembro 27, 2018

Quinta, 27.
Sábado passado, quando abandonámos o Panteão Nacional, Carlos disse que estava cansado e abancou no murete que cerca o edifício dos mortos do antes e os de agora, democraticamente agregados na glória de Deus Pai e da santíssima democracia. Já lá está um sarcófago para Cristiano Ronaldo. Bem fez a família de José Afonso que recusou plantar o corpo do ilustre cantor naquele monte de pedras, não fosse ele levar com uma bolada de Eusébio ou um penálti de Ronaldo. Bom. Eu disse ao meu amigo: “Eu é que sou coxinho, coitadinho, e tu é que estás cansado!” Um casal que estava perto, desatou num riso perdido. Eu lembrei-me de uma cena idêntica, passada com o Simão. Estando nós em Nápoles, arrastei-o em visita a Pompeia. Ao longo do trajecto (reconheço que aquilo é difícil) eu tinha de puxar por ele, eu que caminho em original traqueladanças...   

         - Nestes dias de inverno ensolarado, meti mãos à terra. No jardim limpei o escalracho, depois fui replantar (é a segunda vez) pés de falsa vinha que os técnicos chamam Parthenocissus tricuspidata ao longo da rede do caminho público. A ver vamos se é desta que a bela trepadeira... trepa. Junto ao portão fiz limpeza de bolota e erva daninha. Surripiando uma hora às minhas habituais duas de leitura, de roçadora em punho, ataquei depois do almoço a erva ruim que cresceu na minha ausência em frente da casa. Estou que não posso – tenho para uns dias.  

         - O país do Mágico é uma festa. Os trabalhadores andam contentes, felizes por viverem num rectângulo que lhes paga bem, próspero, seguro onde o sol abraça cada um e todos por igual. Nestes últimos tempos, porém, andam numa de birra, batem o pé, dá-lhes a moenga, recusam trabalhar. Não há praticamente sector nenhum que ande com vontade de vergar o físico. Por alto: Registos e Notariado, funcionários do fisco, CP, supermercados, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Juízes, os habitués enfermeiros, não sei se ainda os professores, etc. Que me lembre, nunca houve tanta greve e tantos grevistas. Que país maravilhoso! Dá mesmo vontade e orgulho em ser português!


         - Tempo moche. Um grande sono mantém esta mancha vegetal agasalhada e adormecida. Quase não se ouvem os pássaros, apenas os gatos tecem a ladainha do desejo, desafiando o Black a ir ao encontro dos vadios desvairados de cio. Aqui e ali uma lagartixa assoma do interior da terra, e no bulício profundo de um mundo secreto, estende a mãe-natureza o seu manto diáfano todo tecido de orvalhos sobrepostos. Um silêncio, um enorme silêncio, desce das alturas tornando o imperceptível bulício num desafio à ressurreição.