sexta-feira, dezembro 21, 2018

Quarta, 19.
António Borges Coelho deu uma longa entrevista, domingo, ao Público. Toda a vida vivida e não vegetada, carrega em si outras tantas vidas. É o caso do meu amigo. Apesar dos seus 90 anos, o que perpassa em linguagem verbal, em entusiasmo, em memória íntima, é de uma juventude incrível! Historiador, professor, escritor, Borges Coelho carrega um passado que o seu enorme talento de narrador, esclarecido e humanista, deixa aos vindouros como um tesouro sem propriedade industrial, mas com o selo de validade perpétua. Há muito tempo que não nos víamos ou falávamos. Ia acompanhando a sua História de Portugal (suponho que vai no sétimo volume) e outros livros que o trabalhador incansável ia produzindo e de cada vez que via os seus ensaios nos escaparates, sentia uma enorme saudade dos anos que privávamos com muita frequência, em longos passeios pela marginal, na Parede, em Lisboa ou em sua casa. A ele devo a primeira revisão de A Ruptura. Seguindo os seus conselhos, acabei naquele ano por ganhar o prémio Diário Popular para o melhor romance. Quando veio o 25 de Abril ouvi da sua boca as perspectivas que se desenhavam para o nosso país e estremeci de horror. Depois entrepôs-se um longo silêncio, cada um de nós ocupado em levar o melhor possível as nossas vidas. Até ontem quando, procuram nos meus papéis, encontrei a morada da sua residência, o telefone e decidi ligar-lhe. Foi como se nos tivéssemos despedido na véspera: o mesmo sorriso terno, a mesma voz pura, a mesma cabeça juntando o passado ao presente, nada denunciando os anos, a alegria estampada no fio sólido das palavras, das recordações comuns, da amizade que nenhum silêncio apagou. Ficámos de nos ver no início do próximo ano, embora ele me tivesse prevenido que já não sai de casa. Mas eu sei que vai ao café todos os dias e lá irei para tomarmos uma bica juntos como tantas vezes fizemos no passado.

         - Chou Chou pode mandar fechar o Parlamento - está condenado a governar a partir da rua. A seguir aos “gilets jaunes”, são os polícias que ameaçam com manifestações. Para que eles recolham quanto antes aos seus quartéis, ordenou que fosse aumentado o salário em 300 euros mensais. Quem pode, pode!

         - Portugal é um país à deriva, desprotegido, alimentado por um clientelismo profissional muitas vezes mais forte que o político. Esta grande desorganização, com as entidades a empurrar responsabilidades umas para as outras, com o Governo no meio, apalermado, sem saber o que fazer ao polvo que foi crescendo sem controlo. Discute-se nos meios de comunicação a pequena questiúncula, os ódios de estimação, as comadrices entre comadres velhas e meio velhas, invejosas e ávidas de poder. No final, indo aos factos concretos, é o Presidente da República que nos tira da boca o que trazemos travado há tantos anos: o Estado (eu digo o Governo) é incompetente, irresponsável, inapto. As recentes mortes do helicóptero do INEM, assim como a fúria dos que foram atingidos pelos incêndios de há dois anos com as casas por construir ou reparar, as muitas greves, a revolta de tantos sectores profissionais, é a prova acabada que a magia do Mágico já não persuade ninguém. A mim nunca me convenceu. Teria sido para isto que Borges Coelho passou seis anos nas masmorras da PIDE?


         - “L´homme isolé, en tant qu´être social, est pareil à tous les autres, alors qu´en tant qu´individu il est sans pareil. Il est donc à la fois une petite partie et un tout. Ernst Junger, Soixante-dix s´efface, Gallimard, pag. 209. Glorioso, Junger!