domingo, dezembro 23, 2018

Domingo, 23.
... depois descemos da colina ao rio a Santa Apolónia. Andámos às voltas na Feira da Ladra cerca de hora e meia. Pela minha parte, desde 1998 que deixei de deambular por aquele mundo que durante tantos anos, aos sábados, frequentei. O que mais me surpreendeu nesta volta que começou no Chiado, foi por um lado a imobilidade, por outro a recuperação urbanística. A feira está como sempre a conheci, talvez com um pouco mais de feirantes, já a zona da Graça sofreu um embelezamento que apreciei, muito graças aos turistas que estão por todo o lado. Seja como for, ruas e prédios, apresentam um ar renovado, os passeios foram alargados, há muita gente diversa, ouvem-se várias línguas e a ladroagem anda atenta. Não me refiro só aos gatunos de rua de olho nas carteiras do transeunte; aludo também ao ladrão de colarinho engomado que não deixa o escritório, o ministério ou a repartição pública. Viemos a pé do restaurante pelas ruas íngremes, admirando as fachadas pintadas de novo, recordando os monumentos, por exemplo, o Panteão Nacional onde entrámos para eu conhecer o archote que o pai do Carlos esculpiu e os outros quatro que ele restaurou. Junto à estação, apontei o prédio onde situo-o a cena de Madame Juju com o filho, Sebastião, dormindo nos esconsos do prédio abandonado (hoje recuperado) para onde a arrastou o mendigo filósofo que na manhã seguinte a arrasta para a beira-rio e a transporta numa conversa delirante e triste que acaba por a comover. Juju adquire por via desse monólogo confiança nele e durante uns dias não se largam.

         - “La culture n´est pas un travail, mais elle donne du travail – le mieux serait de l´appeler un service sacrificiel.”

         “La culture ne donne pas selement du travail, elle repose sur lui – et, de fait, sur un travail que l´on effectue gratuitement. Ce qu´il y a de mieux ne coûte rien.” Junger, Soixante-dix s´efface, Gallimard, pag. 252.


         - Penosa manhã de trabalho no Café da Casa. Talvez para me compensar dos momentos duros que atravessavam as horas, a Maria João colocou uma vela acesa ao pé de mim: “É Natal!”