terça-feira, novembro 07, 2017

Terça, 7.
“Écrire, c´est écrire seul, dans la solitude comme dans l´illusion du contraire. Personne n´aide personne sur l´essentiel. Pourtant, il est parfois bon de savoir que l´on n´est un écrivain (quoi qu´il en semble) que contre tout; et qu´un écrivain qui s´exprime, n´est jamais si seul qu´il le croit.” (André Malraux, carta dirigida a Jean-Claude Andro, 3 de Maio de 1971). Sirvo-me das suas palavras quando o desalento se instala e me sinto abandonado a um projecto inútil. 

         - O Parque de la Courneuve acordou esta manhã coberto por um lençol alvo. Quando corri os reposteiros do meu quarto, fiquei um bom espaço de tempo a olhar a beleza que os meus olhos acolhiam no espanto da manhã clara. Depois de um verão selvagem, atroz, esta sensação de frio, esta leveza das árvores salpicadas de flocos luminosos, devolve-me o sentimento de paz que aquece o coração ansioso por acolher os primeiros algodões do inverno.

         - Esta tarde, não tendo nada para ler, desci a S. Michel. Conheço como a palma das minhas mãos todas as livrarias, os lugares secretos, os pequenos bouquinistes que guardam ciosamente os tesouros que é necessário darmo-nos ao trabalho de descobrir. Passei horas entre paredes e estantes a pesquisar o que os outros abandonaram, venderam ou deixaram pelo caminho na floresta de papel em que se transformaram as casas dos nossos dias. Publica-se de mais. A sociedade de consumo chegou perturbadora à cultura e os escritores competem com os perfumes, os smartphones, as batatas e os ténis. A razia do vazio está instalada. Não se lê para nos cultivarmos – lê-se para passar o tempo. Trouxe comigo um livro que há anos procurava: Journal d´un attaché d´ambassade de Paul Morand, edição Gallimard.

         - Voltei a casa no metro congestionado de gente. Pouco me importa. Adoro a vida que palpita nas tergiversações do quotidiano. Sou parte dela, assisto encantado ao seu torpor, ao seu desastre, à sua maravilha. Há um cântico que se desprendem da agitação do fim do dia. Sou arrastado por essa ladainha dos infelizes cansados de volta aos seus lares. Sofro e rejubilo com eles, somos feitos dessa matéria divina que irmana numa mesma condição homens e mulheres, animais e vegetação, rumores e dores que não se contam a ninguém. Tenho a cidade por testemunho, o coração por receptáculo.  


         - Não sabemos em quem confiar. Quando a Casa Real inglesa, na pessoa da Rainha, também está metida nos negócios dos paraísos fiscais... Já sabíamos que a idoneidade da realeza estava pelas ruas da amargura com escândalos sexuais, familiares, corrupção, e o mais que ainda não veio a lume, agora que fazia parte desta carambolage como qualquer novo-rico, jogador de futebol, político ladrão ou empresário desonesto, estávamos longe de imaginar.