Terça, 7.
“Écrire,
c´est écrire seul, dans la solitude comme dans l´illusion du contraire.
Personne n´aide personne sur l´essentiel. Pourtant, il est parfois bon de
savoir que l´on n´est un écrivain (quoi qu´il en semble) que contre tout; et
qu´un écrivain qui s´exprime, n´est jamais si seul qu´il le croit.” (André
Malraux, carta dirigida a Jean-Claude Andro, 3 de Maio de 1971).
Sirvo-me das suas palavras quando o desalento se instala e me sinto abandonado
a um projecto inútil.
- O Parque de la Courneuve acordou
esta manhã coberto por um lençol alvo. Quando corri os reposteiros do meu
quarto, fiquei um bom espaço de tempo a olhar a beleza que os meus olhos
acolhiam no espanto da manhã clara. Depois de um verão selvagem, atroz, esta
sensação de frio, esta leveza das árvores salpicadas de flocos luminosos,
devolve-me o sentimento de paz que aquece o coração ansioso por acolher os
primeiros algodões do inverno.
- Esta tarde, não tendo nada para ler,
desci a S. Michel. Conheço como a palma das minhas mãos todas as livrarias, os
lugares secretos, os pequenos bouquinistes
que guardam ciosamente os tesouros que é necessário darmo-nos ao trabalho de
descobrir. Passei horas entre paredes e estantes a pesquisar o que os outros
abandonaram, venderam ou deixaram pelo caminho na floresta de papel em que se
transformaram as casas dos nossos dias. Publica-se de mais. A sociedade de
consumo chegou perturbadora à cultura e os escritores
competem com os perfumes, os smartphones, as batatas e os ténis. A razia do
vazio está instalada. Não se lê para nos cultivarmos – lê-se para passar o
tempo. Trouxe comigo um livro que há anos procurava: Journal d´un attaché d´ambassade de Paul Morand, edição Gallimard.
- Voltei a casa no metro congestionado
de gente. Pouco me importa. Adoro a vida que palpita nas tergiversações do
quotidiano. Sou parte dela, assisto encantado ao seu torpor, ao seu desastre, à
sua maravilha. Há um cântico que se desprendem da agitação do fim do dia. Sou
arrastado por essa ladainha dos infelizes cansados de volta aos seus lares.
Sofro e rejubilo com eles, somos feitos dessa matéria divina que irmana numa
mesma condição homens e mulheres, animais e vegetação, rumores e dores que não
se contam a ninguém. Tenho a cidade por testemunho, o coração por receptáculo.
- Não sabemos em quem confiar. Quando a Casa Real inglesa, na pessoa da
Rainha, também está metida nos negócios dos paraísos fiscais... Já sabíamos que
a idoneidade da realeza estava pelas ruas da amargura com escândalos sexuais,
familiares, corrupção, e o mais que ainda não veio a lume, agora que fazia
parte desta carambolage como qualquer
novo-rico, jogador de futebol, político ladrão ou empresário desonesto, estávamos
longe de imaginar.