sexta-feira, novembro 17, 2017

Sexta, 17.
Depois da visita à espantosa exposição do Institut du Munde Arabe, Chrétiens D´Orient Deux Mille Ans D´Histoire, subi a pé até ao Luxenbourg. Andava à procura da obra de Loti Vers l´Ispahan que acabei por encontrar em S. Michel e simultaneamente fazer tempo para a recepção a que Eliette me convidou no seu apartamento da Rue de Saint- Honoré, a dois passos do Louvre e do Palais Royal onde viveu Colette e Cocteau. Belo e simples espaço, decorado a rigor, onde Françoise me aguardava e Annie e Robert se nos juntaram mais tarde. Champanhe do melhor, entrada de fois gras, de queijo, petit fours deliciosos, discussão à mistura sobre tudo e o mais. A anfitriã tem um romance a sair para Janeiro e mostrou-nos as provas em que trabalha arduamente. De raspão falou-se de mim e do meu destino próximo sob as mesmas preocupações. Que os meus amigos têm acompanhado dando-lhes eu a ler os e-mails diários do “meu” editor. Eliette aconselhou-me a vencer as reticências e a avançar. Mais uma. Deixámos a sua companhia já a noite se havia instalado por toda a cidade. O bairro, pela hora tardia, habitado de gente aisés é muito animado, as ruas estreitas com os seus avançados terraços, bistros, cafés, bares onde a vida ferve nas conversas vadias, na vagabundagem fora de horas, um gosto refinado, um leve perfume da Paris de outros tempos circulando no ar.  


Colette e a sua paixão pelos gatos 


Cocteau e Jean Marais 
         
         - Hoje grande deambulação pedestre pela cidade que começou na Place de la Republique, desci depois a grande Rue Turbigo, Rue Saint Martin, Rue du Louvre, Les Hales, Châtelet, atravessei a ponte Napoleão III para entrar na Rive Gauche onde me atirei li-te-ral-men-te para um canapé do café com o mesmo nome e pedi, exausto, uma cerveja fresca. Foram horas de marcha, intervaladas para o almoço num modesto e bom restaurante a meio da Turbigo, com entrada no Fórum e numa loja suspensa do tempo, a D. Dehillerin, que vende tudo para casa, inclusive a poeira que os anos deixaram em cada peça, e onde os empregados idosos e risonhos nos atendem no passo lento que as suas figuras paternais impõem. Cheguei ao fim do dia arrasado, a perna que os homens acariciam com lentidão e tremores excitantes ajudando a outra que as mulheres devoram com ternura e placidez. As duas, sendo irmãs, dissimulam as dores reinventando o prazer das caminhadas com o júbilo desconcertante do entendimento. Hossana!

         - Um pouco por toda a cidade, manifestações contra o Código de Trabalho. Não só da esquerda de Mélenchon, mas também dos sindicatos. Contudo, com fraca mobilização, dando assim margem a que Chou Chou imponha os seus objectivos.


         - Le Figaro foi o único jornal a dar a notícia da nova versão do Pai Nosso, num artigo extremamente interessante e profundo de Jean-Marie Genois. A alteração não é substancial, mas diz tudo do que pensa a Igreja dos nossos dias e das sucessivas traduções que foram sendo feitas à oração de Jesus Cristo. O que foi modificado foi “não nos deixes cair em tentação” por “não nos deixes entrar em tentação”. Esta nova formulação, parece querer dizer que os fiéis não são mais a partir de agora sujeitos por Deus à tentação, mas enquanto seres livres de escolher o mal. Na liturgia antiga era como se Deus querendo o nosso bem, nos condenasse à tentação do mal. A nova, por assim dizer, dá-nos a liberdade de escolher entre o Bem e o Mal. Para se perceber a actual realidade da Igreja, cito monsenhor Guy de Kerimel, bispo de Grenoble-Vienne: “Dieu ne tente pas, Dieu ne nous retire pas toujours de la tentation ou de l´épreve. Il peut se servir de la tentation pour exercer et fortificier la liberté de l´être-humain.” Complicado? Talvez, mas é assim. Eu, contudo, prefiro o texto canónico grego e gosto particularmente do Pai Nosso ortodoxo e da tradução que Frederico Lourenço dele faz do grego. Parece que a raiz desta interpretação, vem de longe e reside no verbo grego “eispherein” que pode crer dizer “submeter”, “pôr à prova” ,“tentar”. Daqui o meu eterno reconhecimento ao helenista de Coimbra.