terça-feira, outubro 17, 2017

Terça, 17.
Depois de todo o Governo, todas as instituições nacionais – PSP, Bombeiros, GNR, Institutos disto e daquilo, palradores profissionais, Câmaras e seus autarcas vedetas, mobilização dos portugueses para acudir às vítimas de Pedrogão Grande, almoços e jantares de agremiações para a discussão da motivação que esteve na origem de tanta desgraça -  dois meses depois, eis que tudo se repete com o calvário de mais mortes, mais fogos, num inferno em tudo igual ao anterior. Portugal é isto, são estas personagens de feira, é este engodo para atrair a compaixão, a beatice, mas nunca a raiva,  a mão firme, a revolta. Ninguém percebeu ainda que estamos perante uma monstruosidade de interesses, de muito dinheiro, em tudo igual ao cambalacho montado pelo dito socialista que nos (des)governou durante oito anos. Será que teremos de renunciar à democracia para vivermos sob o jugo de um homem providencial?
         Não aquele que por vezes ouço na SIC quando estou para almoçar na cozinha e ligo o pequeno televisor. Esse percebeu há muito que a televisão com o seu charabiá próprio, a alteração em figura pública, o senhor doutor como ele pela-se que o tratem, a rudeza do julgamento populista, empurram o chico-esperto para o poder. A ele só falta o convite para um qualquer cargo governamental. O homem não vê hora.

         - Ontem, à mesa do Príncipe, Guilherme Parente e Carlos Soares, meteram-se numa grande discussão acerca da arte de dourar. Este, sendo especialista e guru reconhecido com muito trabalho de restauro em arte-sacra, refinava em argumentação contra o pintor que insistia não estar interessado em aprofundar técnicas porque a utilização do ouro era circunstancial e apenas como apontamento sobre telas que a sua criatividade achava merecerem. Carlos é duro e pretende ter sempre razão. Sobre a toalha da mesa, faz desenhos de facas especiais, de formas de atrair a folha finíssima de ouro à peça ou à escova que depois leva a folha de ouro ao objecto a cobrir, exprime a lápis os “segredos” que a arte possuiu e só são revelados aos artistas especializados na matéria, fala de nomes italianos e outros que levaram 60 anos a aperfeiçoar a técnica e a tornarem-se os artistas a que o tempo conferiu de valor. Eu raramente intervenho. Mas fui eu que saí beneficiado, porque aprendi uma série de coisas que me serão úteis quando agora admire uma retábulo gótico ou uma imagem religiosa.

         - Deixando o Guilherme, fomos abancar na fnac para prosseguirmos não aquela conversa, mas outras que irromperam pelo domínio da escrita. Ou antes, trocámos impressões sobre o que nos orienta a nós, cada um na sua arte e, sobretudo, a raiz da criação com os seus processos próprios, as suas loucuras, o seu mistério. Carlos escutou num silêncio religioso (o que nele é uma raridade), a sinopse de O Pesadelo dos Dias Felizes  o romance que me ia condenando ao hospital. Temos uma admiração mútua pelo trabalho que fazemos e por mor dele construímos uma amizade singular que tem suporte numa liberdade absoluta.   


         - Choveu, enfim, um pouco durante a noite.