Terça,
17.
Depois
de todo o Governo, todas as instituições nacionais – PSP, Bombeiros, GNR,
Institutos disto e daquilo, palradores profissionais, Câmaras e seus autarcas
vedetas, mobilização dos portugueses para acudir às vítimas de Pedrogão Grande,
almoços e jantares de agremiações para a discussão da motivação que esteve na
origem de tanta desgraça - dois meses
depois, eis que tudo se repete com o calvário de mais mortes, mais fogos, num
inferno em tudo igual ao anterior. Portugal é isto, são estas personagens de
feira, é este engodo para atrair a compaixão, a beatice, mas nunca a raiva, a mão firme, a revolta. Ninguém percebeu ainda que estamos perante uma
monstruosidade de interesses, de muito dinheiro, em tudo igual ao cambalacho montado
pelo dito socialista que nos (des)governou durante oito anos. Será que teremos
de renunciar à democracia para vivermos sob o jugo de um homem providencial?
Não aquele que por vezes ouço na SIC
quando estou para almoçar na cozinha e ligo o pequeno televisor. Esse percebeu
há muito que a televisão com o seu charabiá próprio, a alteração em figura pública,
o senhor doutor como ele pela-se que o tratem, a rudeza do julgamento
populista, empurram o chico-esperto para o poder. A ele só falta o convite para
um qualquer cargo governamental. O homem não vê hora.
- Ontem, à mesa do Príncipe, Guilherme
Parente e Carlos Soares, meteram-se numa grande discussão acerca da arte de
dourar. Este, sendo especialista e guru reconhecido com muito trabalho de
restauro em arte-sacra, refinava em argumentação contra o pintor que insistia
não estar interessado em aprofundar técnicas porque a utilização do ouro era
circunstancial e apenas como apontamento sobre telas que a sua criatividade achava
merecerem. Carlos é duro e pretende ter sempre razão. Sobre a toalha da mesa,
faz desenhos de facas especiais, de formas de atrair a folha finíssima de ouro
à peça ou à escova que depois leva a folha de ouro ao objecto a cobrir, exprime
a lápis os “segredos” que a arte possuiu e só são revelados aos artistas
especializados na matéria, fala de nomes italianos e outros que levaram 60 anos
a aperfeiçoar a técnica e a tornarem-se os artistas a que o tempo conferiu de
valor. Eu raramente intervenho. Mas fui eu que saí beneficiado, porque aprendi
uma série de coisas que me serão úteis quando agora admire uma retábulo gótico
ou uma imagem religiosa.
- Deixando o Guilherme, fomos abancar
na fnac para prosseguirmos não aquela conversa, mas outras que irromperam pelo domínio
da escrita. Ou antes, trocámos impressões sobre o que nos orienta a nós, cada
um na sua arte e, sobretudo, a raiz da criação com os seus processos próprios,
as suas loucuras, o seu mistério. Carlos escutou num silêncio religioso (o que
nele é uma raridade), a sinopse de O
Pesadelo dos Dias Felizes o romance
que me ia condenando ao hospital. Temos uma admiração mútua pelo trabalho que
fazemos e por mor dele construímos uma amizade singular que tem suporte numa
liberdade absoluta.
- Choveu, enfim, um pouco durante a
noite.