Sábado, 7.
Ontem
no Príncipe decidimos, Mário, Carlos e eu, ir hoje ao Estoril visitar o
Virgílio. Antes, obrigatoriamente, tivemos de passar na Amadora para comer
leitão que esta gente conhece todas as catedrais e sacristias do crime da mesa.
O Mário recolheu-me em Entrecampos e com a mulher e o filho de 17 anos, lá
fomos ao encontro do nosso caro amigo. O escultor, havia a semana passada caído
e, portanto, encontrámo-lo em cadeira de rodas e sempre com a obsessão do
suicídio. Pobre Virgílio, que Deus o proteja! Sexta-feira estiveram com ele o
João, o Carmo, o Gordilho que me tinham desafiado a seguir com eles quando
cheguei à Brasileira. Como tinha marcado uma conversa com a minha gestora de
conta na CGD, declinei o convite. Mas, sim. Foi um dia bem passado, a atmosfera
da residência é agradável, serena e ficámos no jardim debaixo da laranjeira com
Virgílio de aspecto saudável, mas de mente perturbada ainda e ainda também a
não conseguir juntar duas letras. Saímos quando o enteado chegou.
- Mário deixou-nos, ao Carlos e a mim,
na estação do Cais do Sodré. Seriam umas cinco da tarde, uma tarde luminosa,
cheia de luz e cor, e fomos andando ao longo da praia fluvial que a Câmara
inventou para os lisboetas. Havia no ar uma sensação estival, uma impressão de
férias grandes, daquelas que noutros tempos duravam três meses. Ao longe, sobre
as águas que desenham o “deserto” na outra margem, uma levíssima asa bruxuleante
próxima de uma névoa das claras manhãs outonais. Muita gente sentada ao longo do
paredão, muitos estrangeiros deslumbrados a viver provavelmente a sua primeira
experiência em território mediterrânico, muitas esplanadas cheias onde o horror
da música estridente era a única nota dissonante. A dada altura, por sugestão
do Irmão, sentámo-nos na pedra do muro que delimita espaços e confere ao todo
uma encantadora harmonia, e ficámos por largo tempo à conversa, vendo passar os
catamarãs, os barcos de recreio, as fragatas, o bater das ondas na calçada da
praia. Depois, tarde, ele tomou o barco para Cacilhas, eu tive ainda de
continuar até ao Cais das Colunas e mais adiante o barco para o Barreiro. Um
dia perfeito. Sem, contudo, deixar de me interrogar por que escolheu o David,
filho do Mário, tão insólita companhia.