sábado, outubro 07, 2017

Sábado, 7.
Ontem no Príncipe decidimos, Mário, Carlos e eu, ir hoje ao Estoril visitar o Virgílio. Antes, obrigatoriamente, tivemos de passar na Amadora para comer leitão que esta gente conhece todas as catedrais e sacristias do crime da mesa. O Mário recolheu-me em Entrecampos e com a mulher e o filho de 17 anos, lá fomos ao encontro do nosso caro amigo. O escultor, havia a semana passada caído e, portanto, encontrámo-lo em cadeira de rodas e sempre com a obsessão do suicídio. Pobre Virgílio, que Deus o proteja! Sexta-feira estiveram com ele o João, o Carmo, o Gordilho que me tinham desafiado a seguir com eles quando cheguei à Brasileira. Como tinha marcado uma conversa com a minha gestora de conta na CGD, declinei o convite. Mas, sim. Foi um dia bem passado, a atmosfera da residência é agradável, serena e ficámos no jardim debaixo da laranjeira com Virgílio de aspecto saudável, mas de mente perturbada ainda e ainda também a não conseguir juntar duas letras. Saímos quando o enteado chegou.


         - Mário deixou-nos, ao Carlos e a mim, na estação do Cais do Sodré. Seriam umas cinco da tarde, uma tarde luminosa, cheia de luz e cor, e fomos andando ao longo da praia fluvial que a Câmara inventou para os lisboetas. Havia no ar uma sensação estival, uma impressão de férias grandes, daquelas que noutros tempos duravam três meses. Ao longe, sobre as águas que desenham o “deserto” na outra margem, uma levíssima asa bruxuleante próxima de uma névoa das claras manhãs outonais. Muita gente sentada ao longo do paredão, muitos estrangeiros deslumbrados a viver provavelmente a sua primeira experiência em território mediterrânico, muitas esplanadas cheias onde o horror da música estridente era a única nota dissonante. A dada altura, por sugestão do Irmão, sentámo-nos na pedra do muro que delimita espaços e confere ao todo uma encantadora harmonia, e ficámos por largo tempo à conversa, vendo passar os catamarãs, os barcos de recreio, as fragatas, o bater das ondas na calçada da praia. Depois, tarde, ele tomou o barco para Cacilhas, eu tive ainda de continuar até ao Cais das Colunas e mais adiante o barco para o Barreiro. Um dia perfeito. Sem, contudo, deixar de me interrogar por que escolheu o David, filho do Mário, tão insólita companhia.