domingo, outubro 01, 2017

Domingo, 1 de Outubro.
Ontem fui ao encontro do Simão a Setúbal. Para chegar ao meu amigo, tive de suportar um cheiro nauseabundo a gasolina e óleo queimado, um ruído ensurdecedor de escapes de motos às centenas que no Largo do Bocage se preparavam para uma largada apoiada pela Câmara. Depois vêm-nos falar do Planeta, do buraco do ozono, obrigar-nos a substituir as nossas viaturas e outros clisteres ao cérebro em nome da sobrevivência da humanidade. Que hipocrisia! Que embuste!

         - Estou a terminar o romance de Lopo de Carvalho. Que interessante escritora ela me saiu! Que riqueza de informação histórica! Que delicadeza no tratamento do valdevinos conde de Oyenhausen, marido de Alcipe! Eu sei que os intelectualoides não a apreciam e torcem o nariz quando faço o seu elogio. Se deito uma olhada ao seu trabalho, percebo a mediocridade e a dor de cotovelo que sentem pela ilustre senhora. Mais: reparo como cantam de galo, não tendo lido uma linha que os apoie no seu maldizer profissional. Cantam de poleiro, lêem nada, ditam sentenças em cadeia. Ficaram no século de Leonor de Alorna que dizia “ser Lisboa uma cidade onde o clero finge que reza, a nobreza finge que é nobre, o povo finge que é livre”, isto é, a eterna fantasia e faz-de-conta típica dos portugueses. Basta substituirmos a nobreza por políticos e estamos em pleno século XVIII.


         - Vou lutar para ficar o máximo de tempo possível senhor deste presbyterium onde me sinto muito bem. Só quando as forças começarem a faltar ou o dinheiro não for suficiente, ou o Estado corra comigo alquebrando-me de impostos, é que entregarei ao Simão ou a outra qualquer ave de rapina este mundo de silêncio e paz onde tenho sido feliz e onde foram escritas milhares de páginas ainda inéditas, e o amor em revoadas aconteceu e ficou suspenso na memória das pedras e das árvores e edifica os alicerces sólidos desta catedral de sombras e palavras mudas. Estou de joelhos a glorificar este refúgio simples e belo, alvo e distante, catedral de pensadores que por aqui se quedam há séculos e são a minha consistente e fiel companhia.