terça-feira, agosto 25, 2015

Terça, 25.
A Europa está moribunda. Sobretudo a Europa do euro, de Bruxelas, do Eurogrupo e do Tratado de Lisboa. Milhares de migrantes abandonados nas suas fronteiras à sua sorte, forças policiais a enfrentar multidões famintas à deriva em diferentes países que de si se defrontam com uma crise sem precedentes, atentados o mais recente num comboio francês, insegurança, muros e fossas levantadas, falta de ideias, obsessão pelo PIB, de percentagens disto e daquilo, preocupação com as bolsas a cair a pique, o desemprego, o abaixamento da natalidade, a quebra de direitos que levaram mais de cem anos a conseguir, a nobreza do trabalho a conhecer o maior revês depois da Segunda Guerra, enfim, o medo a imiscuir-se sub-repticiamente e a fazer crescer os egoísmos, a noção da querida família como elemento de retrocesso a um mundo onde cada um quer salvar-se estando-se nas tintas para o vizinho, apesar de a vermos todos os dias plasmada nos jornais na forma de assassinatos, violências domésticas, abandono dos filhos...

         - Soube há dias da morte de Éric Jourdan, filho adoptivo de Julien Green. Morreu em Paris, em Fevereiro, aos 77 anos e foi sepultado ao lado do pai na igreja de Santo Egídio, nos arredores de Viena d´Áustria, em campa rasa construída em vida do autor de Moira. Escritor de vasta obra romanesca de caris essencialmente homossexual, dele li dois ou três livros que não me atraíram. Um homem não se esgota no exercício da sua sexualidade por muito importante que ela seja. Li na net que um e outro deixaram há muito de ser lidos – destino comum a milhares de escritores, poucos sendo os que perduram através do tempo. Green é um deles, embora a moda dos tempos presentes vá no sentido do balofo, da historiazinha risível contada para adormecer, do espectáculo que começa nas televisões e na cena emproada da vanidade. Reparo que fiquei associado a ele, não sei como, nem a que propósito, uma vez que o meu nome aparece nos artigos que dão a notícia da sua morte. Talvez porque escrevi neste blog uma vez algo acerca da sua ligação a Green desde os seus 18 anos de idade quando o consagrado autor ia nos 56. Seja como for, não sendo desprestigiante, também não me enobrece. Registo que Éric terá sido muito útil a Julien Green e não me parece que se tenha aproveitado como muitos leitores afirmam nas redes sociais. Se o fazem é porque não leram o majestoso Diário do velho escritor que morreu aos 98 anos de idade. Dos escritores ditos marginais, resta Gabriel Matzneff.

         - Príncipe telefonou-me a dar a notícia da morte do seu maîte à penser Hermínio Martins. Mais um que se vai. Era um intelectual como há poucos no nosso país: discreto, profundo, original na forma de pensar Portugal e os portugueses. 


         - Acabei de entrar vindo de Caldas da Rainha onde estive com a minha amiga Alice. Procedi como fazia o cardeal Mazarino que nunca se deslocava sem um livro, na circunstância Cartas a Lucílio (94 e 95), primeira edição de 1991, apresentadas e traduzidas pelo nosso eminente latinista Segurado e Campos, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, o mesmo que me levou à sua releitura a propósito de Cícero e das concepções filosóficas da chamada parenética muito utilizada por Séneca. As Cartas é um livro profusamente anotado e sublinhado por mim quando o li arrebatado e a ele volto quando a vida se desnorteia e eu preciso da voz amiga que ma reoriente. (Estou cheio de sono. Vou dormir e noutra altura falarei do que se me oferecer ou vier no fio do pensamento.)