Terça, 25.
A Europa está moribunda. Sobretudo a
Europa do euro, de Bruxelas, do Eurogrupo e do Tratado de Lisboa. Milhares de
migrantes abandonados nas suas fronteiras à sua sorte, forças policiais a
enfrentar multidões famintas à deriva em diferentes países que de si se
defrontam com uma crise sem precedentes, atentados o mais recente num comboio
francês, insegurança, muros e fossas levantadas, falta de ideias, obsessão pelo
PIB, de percentagens disto e daquilo, preocupação com as bolsas a cair a pique,
o desemprego, o abaixamento da natalidade, a quebra de direitos que levaram
mais de cem anos a conseguir, a nobreza do trabalho a conhecer o maior revês
depois da Segunda Guerra, enfim, o medo a imiscuir-se sub-repticiamente e a
fazer crescer os egoísmos, a noção da querida família como elemento de
retrocesso a um mundo onde cada um quer salvar-se estando-se nas tintas para o
vizinho, apesar de a vermos todos os dias plasmada nos jornais na forma de
assassinatos, violências domésticas, abandono dos filhos...
- Soube há dias da morte de Éric Jourdan, filho adoptivo de Julien
Green. Morreu em Paris, em Fevereiro, aos 77 anos e foi sepultado ao lado do
pai na igreja de Santo Egídio, nos arredores de Viena d´Áustria, em campa rasa
construída em vida do autor de Moira.
Escritor de vasta obra romanesca de caris essencialmente homossexual, dele li
dois ou três livros que não me atraíram. Um homem não se esgota no exercício da
sua sexualidade por muito importante que ela seja. Li na net que um e outro deixaram
há muito de ser lidos – destino comum a milhares de escritores, poucos sendo os
que perduram através do tempo. Green é um deles, embora a moda dos tempos
presentes vá no sentido do balofo, da historiazinha risível contada para
adormecer, do espectáculo que começa nas televisões e na cena emproada da
vanidade. Reparo que fiquei associado a ele, não sei como, nem a que propósito,
uma vez que o meu nome aparece nos artigos que dão a notícia da sua morte.
Talvez porque escrevi neste blog uma vez algo acerca da sua ligação a Green
desde os seus 18 anos de idade quando o consagrado autor ia nos 56. Seja como
for, não sendo desprestigiante, também não me enobrece. Registo que Éric terá
sido muito útil a Julien Green e não me parece que se tenha aproveitado como
muitos leitores afirmam nas redes sociais. Se o fazem é porque não leram o
majestoso Diário do velho escritor que morreu aos 98 anos de idade. Dos
escritores ditos marginais, resta Gabriel Matzneff.
- Príncipe telefonou-me a dar a notícia da morte do seu maîte à penser Hermínio Martins. Mais um
que se vai. Era um intelectual como há poucos no nosso país: discreto,
profundo, original na forma de pensar Portugal e os portugueses.
- Acabei de entrar vindo de Caldas da Rainha onde estive com a minha
amiga Alice. Procedi como fazia o cardeal Mazarino que nunca se deslocava sem
um livro, na circunstância Cartas a
Lucílio (94 e 95), primeira edição de 1991, apresentadas e traduzidas pelo
nosso eminente latinista Segurado e Campos, edição da Fundação Calouste
Gulbenkian, o mesmo que me levou à sua releitura a propósito de Cícero e das concepções
filosóficas da chamada parenética muito utilizada por Séneca. As Cartas é um
livro profusamente anotado e sublinhado por mim quando o li arrebatado e a ele
volto quando a vida se desnorteia e eu preciso da voz amiga que ma reoriente. (Estou
cheio de sono. Vou dormir e noutra altura falarei do que se me oferecer ou vier
no fio do pensamento.)