Quarta, 19.
Não sei o que se passou ontem na SIC para
oferecer aos seus habituais expectadores aquele telejornal de horrores. Parecia
a TVI que é uma espécie de Correio da Manhã em versão televisiva. Balsemão
devia ter mão naquela gente. De contrário, qualquer dia, tem a foleirada da TVI
e do Correio da Manhã à porta a reivindicar direitos.
- Perguntam-me se eu não acho que a foto do modelo masculino é arte. Não
sei. Pode ser. Sobretudo porque ela imediatamente me remeteu para Paris, Museu
de Orsay, onde admirei pela primeira vez o excitante nu de Gustave Courbet. Então,
digamos, que a fotografia é a versão masculina do artista francês – e fiquemo-nos
por aqui... Mas também pode ser, ocorre-me agora, uma tela de Conceição Costa
das que ela expôs na Galeria Monumental o ano passado.
- Os acidentes com bicicletas sucedem-se causando mortes e feridos. Eu
tenho pensado um tanto sobre o assunto enquanto sou confrontado na estrada com
os ciclistas e toda a sorte de comportamentos da parte destes e dos automobilistas.
E cheguei a uma conclusão: as estradas e o ritmo do trânsito hoje, não se
coaduna com a existência daquele tipo de veículo em convívio simultâneo com os
carros. Ou as cidades se reorganizam do ponto de vista da circulação, criando traçados
e circuitos diferentes ou as bicicletas deviam ter espaços próprios para os
seus adeptos. Um pouco como o que acontece com os circuitos de automóvel e
karting. Insistir do ponto de vista do ambiente em pôr as pessoas a deslocar-se
em cima de um objecto tão frágil, é correr o risco de transformar as estradas
em verdadeiras pistas de morte. Se andar de bicicleta é um desporto, então que se
siga os mesmos princípios do futebol, do basquete, da natação e por aí adiante,
isto é, construam-se espaços destinados à sua prática.
Coisas que falharam nas minhas
experiências campestres este ano. A secagem ao sol e à sombra das ameixas; a
plantação por estaca das abóboras. O que resultou: a construção de caixotes
para os morangos; as curgetes por estaca; umas quantas ervas aromáticas; a rega
das hortênsias apenas de manhã cedo, a multiplicação dos nenúfares. Os prazeres
que também os há: a apanha dos figos todas as manhãs, a contemplação das
hortências finando-se com a dignidade de uma velha senhora, as maçãs mudando de
cor, as uvas amadurecendo, o crescimento dos dióspiros, o silêncio cristalino
ao romper do dia, a leveza do ar antes do sol chegar, a atmosfera renovadora
quando desço para o pequeno-almoço, a presença do Black que me espera à entrada
da cozinha, o tecido do orvalho em bolinhas translúcidas sobre o relvado, o
ligeiro desfalecimento das folhas das laranjeiras, o reflexo do céu espelhado à
tona da água da piscina, a aurora cantada pelo cuco, a casa que eu acordo com o
meu passo cai-que-não-cai, o ciciar das osgas debaixo do telheiro, a harmonia
que está queda por todo o lado, a surdina presença do mistério em sombras
anunciando-se, o café tomado no lounge, o
murmúrio de paz cobrindo a natureza de todas as esperanças...
-Terminado o Sofista comecei
deliciado o primeiro volume dos Textos
Filosóficos de Marco Túlio Cícero. Notáveis as notas introdutórias de J. A.
Segurado e Campos. Dá prazer ser português coetâneo de gente deste calibre. Não
tenho palavras para definir a qualidade e profundidade e conhecimento que
Segurado e Campos possui e partilha generosamente connosco. E pouco me importa
se ele gosta ou vai ao futebol. Quando qualquer de nós apreende a realidade num
todo, os pormenores são de nenhuma importância. A portugueses destes, eu
curvo-me.