Quarta,
26.
Uma
manhã abafada, sentámo-nos Alice e eu, no tablado que o namorado construiu
sobre o lago coberto de palmeiras, e deixámo-nos resvalar em confissões.
Percebi que com ela podia soltar o coração e durante pelo menos duas horas
maravilhosas, trocámos confidências e amargos de alma. Uma total sintomia de
afectos cruzou os nossos caminhos e um entendimento da vida encontrou nas
palavras a mão amiga que reconforta e tem na ponta dos dedos o parecer que
ajusta a emoção e reorienta os sentimentos. Tudo acompanhado de um sorriso
desenhado no seu rosto bonito que anima, estreita a percepção e dá confiança no
futuro. Alice habituou-se a encontrar em si o necessário na prossecução do
caminho que traçou. E não desanima diante dos obstáculos. O homem chegou tarde
e foi uma bênção do céu. Todavia, ela já estava habituada a estar só, a contar
apenas consigo, a enfrentar os fantasmas e a vencê-los. Como o pai que com
noventa anos, uma semana antes de morrer, ainda trabalhava a terra que hoje ela
trata e “trazia tudo num brilho”. A médica que a segue, dá-lhe invariavelmente
a mesma sugestão: “continue a tratar do campo”. A única filha que tem, não
gosta do campo e ela sabe perfeitamente que após a sua morte a quinta que tanto
adora, partirá em venda. “Enquanto cá andar, sou feliz aqui. O que acontecerá
depois da minha morte, não me importa.” Mulher de armas, esta amiga.
- Estava curioso em ver as obras do
mercado central da cidade que a câmara levou mais de um ano a fazer. Pode-se
dizer que a montanha pariu um rato e um xuxo caro. O que resulta do investimento,
é o empedrado central da praça ao jeito lisboeta e nada mais. Podiam ter
aproveitado para alargar as ruas que circundam, mas nem isso fizeram. As
estruturas dos feirantes, são manhosas e nem um pouco de cor introduziram no
ar. Resta o que há de melhor e nunca dali saiu: as pessoas, as frutas, os
legumes como elementos ornamentais de vida e alegria a dignificar o espaço.
- Como eu imaginei, os barbudos extremistas
jihadistas começaram a destruir Palmira. Uma jóia da Síria, um registo da sua
identidade e da sua história desapareceu em segundos. Dois mil anos de
testemunho greco-romano morrem às mãos destes selvagens que os Estados Unidos e
a Europa, nas suas hesitações e aproveitamentos, desconfianças e interesses
geoestratégicos quanto a Bashar al-Assad, não souberam enquadrar. A Unesco fala
em “crime de guerra”. Mas é a Beleza na sua expressão eterna que deixa os
nossos corações e nos empobrece de humanidade.
- Gostava de ser como aquele casal que
ali está frente a frente, sossegados, vazios, a tomar café. Não há neles senão
silêncio, vida esvaziada de palavras, mas ainda assim perpassa entre eles um
diálogo quedo que traduz a acomodação a um quotidiano de surdos-mudos, de algo
esgotado, que paralisa, introduz nos gestos a lentidão que a atalaia da morte
não disfarça. Um deles decerto morrerá primeiro e o que ficar vai recolher as
sombras do que partiu e fazer delas a memória que desprende a saudade numa
espera ensandecida murmúrios.
- Os franceses graças a três destemidos
soldados americanos que sexta-feira
passada, no comboio Bruxelas-Paris, evitaram mais um atentado dramático, respiram
de alívio; já os rapazes norte-americanos, aclamados como heróis, coube-lhes um
final ao gosto da América brilhantemente aproveitado dos dois lados do
Atlântico.