Sexta, 7.
Se as coisas eram já complicadas no SNS, tornaram-se impossíveis com as empresas de tarefeiros da saúde. São organizações tenebrosas, que ganham milhões à conta dos escravos; uns bem pagos, caso dos médicos, outros explorados, os dos serviços. Contudo, relativamente àqueles, contorna-os a jura deontológica que os obriga a serem mais sérios – até pela escolha profissional que fizeram – nas suas atitudes. A medicina é uma actividade de raiz das mais humanas, que não pode ser exercida de ânimo leve, no rigor de horários de funcionário público, misturando interesses de ordem vária, ambições ridículas, promoções guerreadas, jactância e arrogância. Também não é um produto, mas sim a dedicação inteira às vidas que se lhe entregam na confiança e devoção da interpenetração que afasta a dor e o sofrimento daquele que a morte espreita através do milagre do clínico que, com a sua arte, a aparta. Suponho que os médicos sejam obrigados ao juramento de Hipócrates quando entram para a respectiva Ordem. Portanto, devem saber que um dos juramentos é consagrar a vida ao serviço da Humanidade e outro, entre tantos, é não fazer uso dos seus conhecimentos médicos contra as leis da Humanidade. Pergunto-me se o comportamento esclavagista do dinheiro, não vai contra o juramento que decerto celebraram na Ordem dos Médicos.
Dito isto, é evidente que não se lhes pede sejam, na sua imensa dimensão humana, a imagem de João Semana. Mas que compreendam que o mercado e os seus valores, até pela sua própria condição humana, não devem ser trampolim de manobras económicas no oposto à dignidade e esforço científico. Este egoísmo, esta obsessão pela riqueza, está a ser manobrada pelos grandes interesses que só têm no dinheiro a sua existência e conceptualização. Tudo o resto lhes escapa: o outro enquanto pessoa, a medicina como função de vida e abrandamento do sofrimento, a Humanidade como realização colectiva, o doente no seu abandono à dor, a parturiente entregue aquele instante de magia, a morte inevitável que muitas vezes acontece nas suas mãos, enfim. o respeito que lhes deve merecer a condição humana. É por estas e muitas outras razões, que a Medicina possui a grandeza e o milagre de acolher a vida e estar no derradeiro suspiro humano.
É por estas razões que não dou razão aos médicos que, tal como quaisquer candongueiros, servem-se do WhatsApp para convocar greve à doença e ao sofrimento alheio, às urgências e às cirurgias, num país tão flagelado por tantas desgraças e triste pelo abandono a que fora votado desde a desordem implementada por António Costa apoiado pelo actual Presidente da República. Toda a minha admiração e agradecimento vai para a Ministra da Saúde. Deus a lhe dê força para afrontar clubes de interesses nos hospitais públicos, na Ordem dos Médicos, nas instituições que ganham imenso dinheiro com a pobreza em Portugal, nesse parasitismo que se instalou por todo o lado e vai ser muitíssimo difícil de erradicar. Esta manobra dos médicos tarefeiros, é contra os colegas, contra as instituições, contra o povo, a favor dos primados, da ostentação financeira entre clínicos, no desafio aos médicos que, honra lhes seja feita, ainda vêem na medicina pública a guardiã, o primado da ciência e entrega ao outro enquanto missão e respeito pelos princípios hipocráticos. Se no fim-de-semana da greve morrer algum nobre português por falta de assistência, os tribunais deviam condenar aqueles que renunciaram ao trabalho, mesmo pagos ao dobro dos seus colegas. Mais uma vez, reclamo que os futuros médicos sejam obrigados a permanecer nos hospitais do Estado cinco a dez anos após a formatura, de molde a compensar o país do montante que neles investiu.