Sábado, 15.
Não tarda este sítio de sossego e beleza natural, ficará transformado num bidonville brasileiro, como outrora existiram em França os bidonvilles portugueses. Felizmente que estou recuado e tenho espaço suficiente para não ter por perto esta triste e indigna forma de vida. Todos os espaços dantes impossibilitados para construção, são hoje a invenção do sortilégio dos contentores de navio transvertidos em “casas”. O mais curioso, é este ultraje humano acontecer numa câmara há muitos anos CDU.
| O murete branco está perfeito, mas a vivenda... |
- Sócrates possui a arte de manobrar tudo e todos. A sua obsessão pela inocência, leva-o a inventar toda a sorte de estratagemas para que os processos de que é acusado por crimes vários, caduquem. O seu estimado advogado, renunciou ao processo e agora este vai andar por ai a vaguear, seguido pelo riso escancarado do ex-primeiro-ministro de Portugal. E contudo, que pode a justiça se a corrupção é endémica e não há tribunais que acabem com ela.
A política entre nós, não é só a forma que os políticos encontraram de se guerrearem continuamente, é também o modo de se conservarem à tona deles mesmos. Portugal, os portugueses, os seus reais interesses e necessidades, a erradicação da pobreza, habitação, escolas, hospitais, tribunais, esquadras em condições onde não entre a chuva como aconteceu nestes últimos dias, serviços céleres, saúde competente, são temas que servem sempre para a guerrilha, a bajulação entre eles, a revolta e o ódio, mas nunca, desde o 25 de Abril (talvez só nos três primeiros anos) um independente e sério serviço à nação e a quem cá nasceu e vive. Digo tudo serve e assim é. Veja-se o caso da lei da imigração. Nunca os pobres que desarrumaram a vida para procurarem melhor presente e se possível futuro entre nós, foram tão expostos à confusão, à balbúrdia, à desumanização e hostilidade, como agora. Não há forma de um diploma, uma lei obter consenso político, porque a política entre nós é uma guerra permanente seja quem for que ocupe o poder. A este propósito permito-me extrair estas linhas do artigo de António Barreto no Público, com o título “Quanto vale ser português?” “O descontrolo da imigração (remeto eu para António Costa as linhas que se seguem) é uma abdicação do Estado de direito, o convite ao subterfúgio ilegal, à residência fictícia, ao mercado de endereços falsos, à prostituição de mulheres, homens e menores, à associação criminosa em geral.” A coluna termina assim: “Os criminosos castigam-se com a justiça, não com a nacionalidade (directo a Ventura).”
- Ontem tive uma barrigada de Lisboa. Não tivemos assento na Brasileira, João e eu, devido ao temporal que sarapantou os turistas da esplanada para o interior do café. Descemos então o Chiado e fomos abancar na Fnac, Ali encontrou o João a tribuna parlamentar que tanta falta lhe faz. Não sei a que propósito, falou-se de Lenine e eu perguntei-lhe se conhecia o período em que o revolucionário viveu na Suíça. Que fui eu dizer! Logo o tribunicius se soltou, abriu os braços, e despejou, feliz, tudo o que conhecia do ditador. Eu senti que ele precisava de falar e pouco ou nada interferi, talvez lhe tenha dado o pormenor da estadia do líder russo e sua mulher, em casa de um sapateiro onde ambos estavam hospedados, fazendo uma vida de pobres, ele tisico, mas forte, saindo todos os dias imperativamente de casa pelas nove horas directo à biblioteca e depois do almoço repetia a dose até ao fecho. Lia muito, lia tudo, impregnava-se de Marx e Engels, ninguém sabia quem ele era, todos o olhavam como a um pobre devido ao seu aspecto andrajoso, isto durante mais de uma década. Depois contei-lhe a chegada à Rússia, impelidos por Gorky “Venham todos, juntem-se à nós”. No comboio onde seguiam outros dirigentes que com ele desertaram do país dos czares e gritavam pela revolução, à sua chegada a solo pátrio, os camaradas deixaram-no e abalaram para abraçar amigos e familiares como é natural e legítimo; Vladimir Ilich Uliánov Lénin, depois de ter comprado uns sapatos decentes desfazendo-se das horríveis botas rotas, foi ao encontro do edifício onde se imprima o Pravda e logo ali começou a deriva que conduziria à Revolução Vermelha, e por volta de 1919 (suponho, sou fraco em datas) aliciou os incautos e semeou a exterminação e conduziu a Europa à instalação do bolchevismo. De resto, este chegou mesmo a instalar-se na Alemanha, Itália, Baviera, e Munique que proclamou-se República Soviética. Isto ao meu interlocutor pouco interessa, começando um rosário de razões ideológicas que são infinitamente mais importantes que os aspectos humanos das pessoas. No final do seu longo monólogo, rematei: “E assim nasceu a ditadura.” Psiu, nem uma palavra. Calou-se ele, falo eu. Com Lenine, no mesmo comboio, regressavam, entre outros, Zinósviev e Radek e igualmente Kámerev e Stalin que olharam o ilustre revolucionário com um misterioso riso – em Vladimir Lenine aconteceu a revolução; nos dois cúmplices a mais feroz ditadura e milhões de russos mortos.
- Bom. Chove.