domingo, outubro 19, 2025

Domingo, 19.

É com tristeza que registo a morte de António Borges Coelho. Era um homem excepcional, uma pessoa honestíssima, uma personalidade invulgar de uma ternura sem igual. Faleceu com 97 anos na sequência de uma pneumonia. Como registei nas páginas de então, quando o nosso convívio acontecia com imensa frequência, antes e após o 25 de Abril, sendo eu um adolescente a quem ele prestava atenção, nunca deixei de o acompanhar ultimamente por telefone ainda há poucos meses. Historiador com obra escrita naquele jeito luminoso que era o seu, sofreu quando anos a fio foi impedido pela PIDE de leccionar nas faculdades portuguesas. Nunca lhe ouvi um lamento pessoal, sempre o escutei na revolta surda que era a sua por um Portugal mais livre e democrático. Estive perto dele quando trabalhou estreitamente no Partido Comunista, ouvi-lhe muitos reparos e entusiasmos, e acho que mais tarde se afastou dos camaradas como tantos outros antifascistas. Restam os livros para o seu público que era vasto. Para mim que tive a sorte de o conhecer, fica a pessoa de voz calma, quase balbuciada, e sorriso doce, discreto e bondoso. Descansa em paz meu inolvidável amigo, que Deus te restitua em presença imortal, quanto nos destes e trocastes connosco. Não esquecerei os nossos passeios ao longo do paredão da praia da Parede, o café mais adiante, as tardes banhadas da luz imorredoura à qual hoje me recolho em memória da nossa amizade.