segunda-feira, dezembro 18, 2023

Segunda, 18.

Ufa! Não volto tão depressa de carro a Lisboa. Desde o começo da covid que lá não ia montado no popó e não quero repetir a dose tão depressa. E ainda dizem que a vida está difícil, que é preciso combater o buraco de ozono e fanfarrices tais e tantas que se torna complicado acreditar em quem quer que seja. Apesar de ter escolhido o domingo para trazer a madeira do Carlos, antecipando o poderia encontrar, mesmo assim esperei um bom bocado para pagar a ponte Salazar, perdão, 25 de Abril. O pior veio depois, carregado o veículo, tendo almoçado no C. I. (outro inferno), deixado o meu artista na Gulbenkian, meti pés ao caminho. Entre a Praça de Espanha e a entrada na ponte Vasco da Gama, estive no pára arranca, cerca de uma hora! Um suplicio! Uma mezinha asquerosa do chefe do PS, eu sei lá! Justamente, há pouco, quando a Piedade chegou embrulhada numa capa de nevoeiro, estava eu a esvaziar o cofre do carro, gorro na cabeça, luvas e calças a condizer – cinco carros de mão até ao alpendre onde a empilhei a rigor. Ou me engano ou tenho lenha para mais dois anos. 

         - O que é isso ser-se velho? Quando observo os meus amigos passados dos oitenta, e vejo, por exemplo, o Carlos Soares a carregar por várias vezes o aparelho idêntico aquele que os supermercados possuem para transportarem os produtos, cheio de troncos, do fundo dos ateliers e subindo a pequena rampa íngreme até ao carro estacionado na rua, interrogo-me. Por outro lado, não tenho dúvidas que a cultura ajuda no adiantado da idade, e não é por acaso que os lares estão cheios de velhos apatetados, que decerto ainda seriam úteis se não tivessem resignado e abandonado à idade. Mesmo sabendo o que por aí vai, com os filhos a desfazerem-se deles nos lares e hospitais, julgo que a força do conhecimento ajudaria na argumentação sábia que impediria as instituições e pessoal administrativo de os olhar como coisa inútil. 

         - Nem a propósito. Ontem, quando cheguei de Lisboa, entrei pela cozinha como é meu hábito (a entrada principal foi sempre reservada à Rainha de Inglaterra quando cá vinha passar a noite) e ao atravessar para a sala de jantar, sabendo que havia um degrau que eu próprio mandei fazer para separar as divisões, tropecei e tombei. Nesse momento toca o telemóvel no meu bolso. Ainda no chão, o sangue a cair na tijoleira, atendi. Era a Gi minha sobrinha. Digo-lhe do estado em que me encontro e peço-lhe para ligar mais tarde. Fui a correr despir o anoraque e a camisa, desinfectar o lenho na cabeça, pôr um penso e uma pedra de gelo. Daí a minutos ei-la de novo. Preocupada ou dando essa impressão, quer saber pormenores. Respondo que está tudo bem, e cair é a minha profissão quase desde que nasci. E ela: “Eu se fosse ao tio, vendia a casa e vinha para a nossa beira aqui na Foz.” Cruzes! Morria no dia seguinte. 

         - E todavia. Esta manhã, já esquecido do acidente, estou a trabalhar em baixo e oiço a Piedade a chamar-me lá em cima. Pensei que tinha dado alguma queda e vou escada acima a correr. Ao chegar ao quarto, está ela com o chouriço do travesseiro nos braços espantada com o sangue. Também eu não tinha dado por isso e conto-lhe o sucedido, acrescentando que aquele mesmo degrau já em tempos me havia causado idêntico susto quando me precipitei sobre a peanha que encima o busto de um guerreiro assente em pedra mármore de um peso considerável. Nessa altura tive sorte, porque a peça em vez de me cair em cima, foi parar ao chão; desta vez bati com a cabeça na quina da base. E juntei: “Hoje vamos mudá-la da passagem para um canto da sala, não vá o diabo tecê-las.” Assim se fez. 

         - Estas minuciosas descrições, são um disfarce para evitar falar da nossa vida colectiva que eu espero não vá ser governada pela opacidade do chefe recém eleito do PS. Infelizmente, se tal acontecer, Portugal vai mergulhar no abismo e toda a choldra implementada por António Costa, vai recrudescer em revolta popular. Ele e Marcelo são cúmplices do estado a que chegámos. Oito anos perdidos, ainda por cima com maioria, os cofres cheios, dinheiro a rodos a entrar da UE, o Presidente de olhinhos ternos deleitados no menino inteligente, e vai-se a ver só nos deu barafunda, corrupção, ministros incapazes, dinheiros atirados à desgraça, o país mais pobre, trabalhadores anos a fio na rua em manifestações e greves, grávidas a usar como nunca anticonceptivos porque não há quem lhes assegure o parto assistido, as ruas transformadas em camaratas de tendas, os jovens descrentes sem terem um tecto para dormir, a vida a subir e os salários pingados, os hospitais transformados em lugares de refúgio e dormitórios dos abandonados, os reformados a pedir ajuda às instituições do passado um prato de sopa, ajuda para a renda de casa... 

         - Muito interessante o artigo de Fr. Bento Domingues no Público de ontem. Ele remata o seu escrito assim: “A Bíblia não é um manual de história, mas também não é um labirinto de enganos. Que seja a biblioteca de um povo, de muitas épocas e de diversos géneros literários, é bastante consensual entre os estudiosos. Ler a Bíblia como literatura é fundamental para não lhe pedir o que não pode dar e acolher o que ela nos oferece de maravilhoso.” É isso que eu tenho feito, na leitura e estudo dos seis volumes traduzidos por Frederico Lourenço do Antigo Testamento e do Novo, assim como aquele outro tomo, extremamente valioso que li e reli os Evangelhos Apócrifos (gregos e latinos).  

         - Está muito frio, vou acender a lareira.