terça-feira, abril 18, 2023

Terça, 18.

Há algum tempo que usufruíamos do silêncio de António Costa em viagem pelo estrangeiro. Silêncio largo, esplendoroso, de uma pureza sem igual, que nos reconfortou embora os seus acólitos tivessem continuado a encher o ar de bactérias imundas. Mas ontem ei-lo de retorno às televisões a fazer aquilo que melhor sabe fazer: propaganda, propaganda, propaganda. Promete descontos neste e naquele produto, oferece esmolas na forma de aumentos de pensões, bónus, ajudas para isto e para aquilo, e nada de substancial e muito menos estruturante que dê dignidade às pessoas e crie riqueza para que todos vivam de uma forma equilibrada e feliz. 

         - Ontem não resisti à simpatia do António e lá fui juntar-me aos amigos tertulianos na Brasileira. Foi uma manhã bem passada a ouvir histórias do Gordilho no hospital quando foi operado a um cancro nos intestinos. Chorei a rir porque o artista é daqueles que não dá confiança às doenças e enfrenta-as com o seu humor habitual – facto que elas detestam. A Baixa era uma brasa, calor de súbito bravo, a lembrar Agosto. Por isso, no Fertagus e nas ruas, muitos rapazes de calções, pernas e coxas a lembrar Julien Green que se as visse não pararia de tremer de excitação. Esta passagem do terceiro volume do diário póstumo, fala por si. “Dans la rue les mêmes tentations. Pourquoi les garçons sont-ils si beaux? Pourquoi montrent-ils leurs jambes nues? Il y a des visages, des corps si monstrueusement attirants que j´en demeure quelquefois saisi, immobile.” Estas linhas foram escritas em Novembro de ´48, na sequência de um longo período de jejum sexual de cinco anos, oferecido à Virgem Santíssima e vigiado pelo padre Couturier, seu orientador espiritual. Depois, bem depois, após terrível sacrifício que ele impôs à sua natureza, não resistiu às tentações e foi procurar Mario, um prostituto profissional que trabalhava numa casa da rue Duret, a quem chegava a pagar 500 francos. Assim, (p. 565): “Hier matin, j´ai très longuement caressé le derrière de Mario, écartant ces fesses dorées pour y plonger mon visage. Il ma dit que les clientes lui faisaient souvent cette caresse et s´est offert à me baiser, mais je lui ai dit que sa queue était trop grosse. “En effet, dit-il vaniteusement, elle est sévère.” Green é um homem apaixonante, mais religioso que muitos religiosos de vocação, que toda a vida lutou contra as suas inquietações que não o largavam um minuto. Resistiu, resistiu, sofreu, combateu o seu instinto, tudo em nome de Deus que não queria ferir de maneira nenhuma, mas acabava por sucumbir a tanto sacrifício. Mario, o profissional do sexo, aos 48 anos e já muito premiado, acabava por ser o “instrumento” mais fácil de satisfazer o cavalo que recusava dormir dentro de si. Uns dias depois, ele não sai da sua cabeça doente:: “Repris par le désir de Mario. Il suce très bien, quand il veut. Je me souviens de sa joli tête fine et cruelle sur mon sexe, la belle chevelure où dansaient des reflets à chaque plongée en avant. Me retient d´aller le voir ce qu´il ma dit des indiscrétions policières. (p.577).” Ele devia saber o que dizia S. Tomás: os pecados da natureza, são os menos graves dos pecados mortais. 

         - Andei a limpar o pequeno tanque com bambus em volta, cortei os rebentos que se expandiram demasiado, e de seguida podei o diospireiro, forma de falar porque esta árvore lindíssima deixa-se aparar com ternura. Logo depois, reguei as hortências, os acantos, as flores que junto à casa são o bouquet que ofereço ao visitante; li dez páginas de Green, fui à piscina, acartei os ramos de bambu para a queima, alinhei meia dúzia de linhas no romance e passo porque outros afazeres não menos importantes vieram juntar-se àqueles. No final fortes dores de rins. A quem pensa que o campo é sossego, tire o cavalo da chuva. Para que tal acontecesse, precisava de um/uma cozinheira, um homem a tratar da quinta, um motorista e chega.