terça-feira, setembro 07, 2021

Terça, 7.

Cedo, sentindo-me seráfico relativamente a ontem (já lá vou), fui passear no campo de lés a lés, admirando as árvores depois da chuva que caiu ao romper do dia. As macieiras exibiam frutos rosados que os pingos d´água atraíam; as uvas (brancas) tinham engrossado mostrando cachos plenos que amanhã colherei; os dióspiros, amparados por duas estacas, pendem em grande quantidade a tocar quase o chão; os marmelos, também grandes e bastantes, oferecem um fruto imaculado, uma cor saudável, solicitando a sua apanha; mais além os figos incharam a pedir a colheita, pena que tenha já compota para dar e vender; e aqui junto a casa colhi os primeiros medronhos que comi avidamente. Deixei para trás a ala de amoras que se inclinam, grossas, à minha passagem e vão da entrada ao limite da quinta, mas que eu, farto de ser picado, me abstenho de colher. Este jornadear matutino, hipnotizado pela natureza agradecida à chuva que tombou do céu como uma bênção a curar os rigores maléficos do verão, contribuiu à minha tranquilidade, a curar o dia de ontem onde estive imobilizado de medo... 

         - O que se passou ontem, foi uma réplica do que havia acontecido há anos quando acordei às quatro da manhã numa excitação que não me deixava sossegado um minuto e me levou aos bombeiros daqui e de seguida eles ao hospital de Setúbal. Só que desta vez, identificando a bicha, consegui debelar o problema embora, quando medi a tensão me tivesse assustado um tanto: 17 contra os meus habituais 13 e qualquer coisa. Tomei o pequeno-almoço, enfiei dois calmantes e continuei pelo dia fora a beber uma infusão de folhas de oliveira. Descendo um pouco, a pressão sistólica nunca veio para valores confortáveis. Quando me fui deitar, não olhando às contra-indicações do medicamento para dormir que a minha nova médica de família me recomendou, tomei meia dose e hoje, ao acordar senti que tudo voltou, digamos, ao normal: já não tinha tonturas, o instigo era favorável, as energias idem. Mas não consegui trabalhar, a construção de uma oração ou alinhamento de duas palavras, prostravam-me. Vegetei todo o santo dia sobre a chaise longue, lendo 20 páginas de Paul Maurand, atendendo duas longas chamadas telefónicas e assim. Dia 21 volto ao Centro de Saúde com a bateria de análises e então discutirei com a simpática doutora. 

         - Para ser franco, não morro de amores por Paulo Rangel. O político, hei, hei! Quanto ao homem que sendo político reconhece publicamente a sua homossexualidade, chapeau. Não vi o programa onde ele fez a revelação, mas olhei nas notícias da SIC o facto de uma grande dignidade e categoria. Na sua classe, faltam muitos para saírem do armário. Contudo, eu acho que não são obrigados a fazê-lo. Cada um saberá quando o pode fazer, sendo que a felicidade não espera e quanto mais tempo se esconderem, mais os que estão sob a sua alçada padecem. Um frustrado nunca foi um bom governador nem bom homem (ou mulher já agora).  

         - Fui depois do almoço visitar a parte esquerda de quem sobe da Feira do Livro. Comprei alguns livros e conversei com muitos livreiros e assistentes de editores. O que ouvi não me surpreendeu. Felizmente, contudo, uma nova geração toma posição pouco a pouco e estima a velha e chega a dizer que a actual, muitos dela não lhes interessa a cultura e a arte – só o negócio os fascina, daí a qualidade de livros que se produzem, os “escritores” a trabalharem um e dois livros por ano, que não passam, evidentemente, de “lixo”. Mas isso não interessa nem a uns, nem a outros.